segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Um, Nenhum e Cem Mil




Por: Fabiana Ratti 
Um, Nenhum e Cem Mil, escrito pelo italiano Luigi Pirandello (1867-1936) retrata sentimentos e sensações pela busca de identidade de Vitangelo Moscarda, protagonista do romance. Pirandello tem grande capacidade em sua escrita de apontar o inconsciente, o sujeito dividido em si próprio e o Outro, os pensamentos e sentimentos dos personagens e a avaliação de fora, da sociedade. Para responder a isso, Lacan lança mão do constructo teórico da Banda de Moebius dizendo que o inconsciente, não é ‘in’, não está dentro, ele permeia o sujeito de fora para dentro e de dentro para fora, de um a nenhum a cem mil... vamos deixar a teoria e ir aos artistas que expressam esta evidência com maestria:

‘Sim, aí está o nó do problema,’ – pensava – ‘Cada um quer impor aos outros o mundo que tem dentro de si, como se fosse algo externo, de modo que todos o devam ver daquele modo, sendo apenas aquilo que ele vê.’ (...) fazendo com que se aceitem aquele sentido e aquele valor que eles dão a si mesmos, aos outros, às coisas, de tal forma que todos vejam e sintam, pensem e falem à maneira deles.’  p.120

‘Eles se iludem porque a verdade é que, no fim das contas, meu caro, não conseguem impor mais do que palavras. Palavras, entende? Palavras que cada um assimila e repete a seu modo. (...) Mas então me responda: como se pode ficar tranqüilo sabendo que há alguém que faz de tudo para persuadir os outros de que você é como ele o vê, alguém que se esfalfa para que os outros o estimem segundo o juízo que ele fez de você, impedindo que os outros o vejam e julguem de outro modo?’ p.121

‘Sempre nos parece que os outros estão enganados, que uma dada forma ou um dado ato não é exatamente isto ou não é assim. Mas, inevitavelmente, pouco depois, se nos deslocamos um pouco de nossa posição, nos damos conta de que nós também nos enganamos, de que não é isto e não é assim. De modo que, ao final, somos constrangido a reconhecer que não será nunca nem isto nem assim, de nenhum modo estável ou seguro, mas ora de um modo, ora de outro, e todos a um certo ponto nos parecerão equivocados, ou todos corretos, o que dá no mesmo, porque uma realidade não foi feita e não é, devemos fazê-la nós mesmos, se quisermos ser; e jamais será una para todos, uma para sempre, mas infinita e continuamente mutável. A capacidade de nos iludirmos de que a realidade de hoje é a única verdadeira, se de um lado nos ampara, de outro nos precipita num vazio sem fim, porque a realidade de hoje está fadada a se revelar a ilusão de amanhã. E a vida não se ajusta. Não se pode ajustar. Se amanhã se ajustar, estará acabada.’ p.91 
 
O inconsciente deixa de ser dividido em inconsciente, pré-consciente e consciente, ou id, ego e superego... o inconsciente é ‘como se fosse’ uma banda de Moebius... não tem fora, não tem dentro e assim nos perdemos entre o eu e os outros, entre o fora e o dentro... acompanhe a formiguinha da banda de Moebius criada por Escher (ao lado) e veja como ela vai caminhando e uma hora está dentro e outra hora está fora... daí vem a dificuldade do ser humano em se singularizar e lutar por seus projetos, sem se perder na imensidão profunda de objetos e demandas, internas e externas, nas sensações, impressões e loucuras que assolam o sujeito.

 Livro:Um, Nenhum e Cem Mil
Escritor: Luigi Pirandello
Tradução de Maurício Santana Dias
Editora: Cosac & Naif; 229 páginas

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