segunda-feira, 12 de setembro de 2016




Billie Holiday

Por: Fabiana Ratti – Psicanalista

A biografia de Billie Holiday, escrita por Sylvia Fol (2011), começa com um show da cantora e compositora de jazz numa casa de espetáculo lotada, e ela se interrogando se o público ainda a amava... Billie Holiday havia passado um tempo na prisão e não sabia se havia sido esquecida por seus fãs.

É um começo de livro emocionante. Sua voz, o público. Nos passa a ideia de que ela poderia ter vivido apenas esse lado de sua vida. Shows, prosperidade financeira, amor do público, crescimento. Porém, não é essa sua história.

Billie Holiday (1915-1959) nasceu Eleonora Fagan Gough na Filadélfia, Estados Unidos. Ela é filha de um músico que deixou a casa quando ela ainda era bebê e sua mãe fazia alguns trabalhos, entre eles o de prostituta e de empregada doméstica. Seus pais eram negros e pobres, sendo ainda adolescentes quando ela nasceu, 15 e 13 anos. Dessa forma, ela era deixada na casa da avó e de parentes para a mãe poder trabalhar. Foi criada muito solta e sentia na pele a rejeição, era tida como um estorvo, apenas a avó materna parece ter tido uma ligação um pouco mais forte com ela. Teve uma vida difícil. Sem um verdadeiro lar ou uma educação voltada para ela, Billie Holiday foi violentada muito jovem e as pessoas a sua volta diziam que ela passou a ser uma adolescente incorrigível. Não ouvia ninguém, fazia o que queria, não dava satisfação, foi para a casa de correção algumas vezes... Nessa toada, entrou no mundo dos bares, da noite e da prostituição muito cedo.

Como psicanalista, penso que sua formação narcísica ficou comprometida, prejudicando sua carreira e sua vida futura. Toda criança, para ter uma integridade narcísica, uma concepção de eu fortemente estabelecida, precisa de um investimento psíquico nela. Do olhar e dos cuidados maternos. Precisa sentir-se amada e desejada, bem vinda ao mundo. Porém, Billie parece ter sentido exatamente o contrário em sua infância. Desprezada e jogada de casa em casa, Billie Holiday sentia a ausência e a falta de cuidados pela sua pessoa. Parece ter sentido que não havia sido bem vinda neste mundo.

Depois, descobriu sua voz, seu potencial e o efeito que causava nas pessoas.  Começou a ver que as pessoas queriam sua presença, pagavam por suas apresentações e emocionavam-se com sua música. Porém, parece que já era tarde. Ela já não acreditava mais que era bem vinda ao mundo.

Quando lemos a biografia, muito bem escrita de Sylvia Fol, temos uma pontinha de esperança: “agora vai”. Agora ela viu que é ótima, terá dinheiro, realização e encontrará bons companheiros, deixará aquela vida antiga de submundo e humilhações. Mas, não é o que acontece. Billie Holiday continua sofrendo as mazelas do submundo e não se dá conta de seu potencial, a ponto de acreditar em si e em uma vida nova.

Do ponto de vista de analista, a razão dela não conseguir passar, de fato, para uma nova vida é porque a construção de seu narcisismo ficou comprometida pelos primeiros anos de infância, então ela não tem narcisismo suficiente para apostar nela, para se posicionar, para acreditar que possa de fato, viver uma nova vida. Além disso, o seu referencial de amor foi construído extremamente ligado à humilhação e ao desprezo, desta forma, nesta nova busca de relacionamentos e oportunidades, ela não consegue deixar seu padrão de relação amorosa. 

Billie Holiday, com tanto talento, não pode usufruir tudo o que podia desse talento.