quarta-feira, 10 de maio de 2017

Passageiros e Jakob von Gunter um diário



Passageiros (2016), filme estadunidense dirigido por Morten Tyldum e protagonizado por Jennifer Lawrence e Chris Pratt, é bastante utópico e fantástico. A nave Avalon está transportando mais de 5.000 colonos em compartimentos de hibernação para o planeta Homestead II, uma viagem que levará 120 anos. Jim (Chris Pratt), por um problema em sua capsula, acorda 90 anos antes. Ao acordar, tenta de todas as formas se comunicar com a Terra, voltar a hibernar ou encontrar uma solução que não seja passar 90 anos dentro de uma nave espacial. Após mais de 1 ano sozinho e sem encontrar outra solução, Jim desperta a escritora Aurora (Jennifer Lawrence). Coincidência ou uma homenagem à Bela Adormecida que também chama-se Aurora?!

Um novo momento começa no filme. Aurora, assim como Jim, fica inconformada com o fato de que passará o resto de sua vida na nave Avalon. Assim como Jim, também tenta tudo que está a seu alcance para mudar o destino. Então, começa a rolar um affair entre o casal e eles se divertem por algum tempo, até que ela entende que foi ele quem a despertou.

Um novo clima toma conta da nave. Teria sido uma forma de assassinato? Jim havia roubado a vida de Aurora?

Independentemente da questão ética, fica evidente o quanto o ser enlouquece se não estiver na relação com o outro. Jim se relacionava apenas com máquinas e robôs. Ser condenado a passar o resto da vida só, sem um único ser, sem ver, sem falar, sem se relacionar com um outro ser, sem ter relação sexual... Antes de despertar Aurora, Jim havia tentado o suicídio e então retrocede e a solução que encontra é acordar uma outra pessoa. Uma pessoa escolhida. Estuda seu jeito e sua personalidade. Apaixona-se e a acorda. A chance de dar certo um relacionamento naquelas condições também é questionável.   

Porém, o que mais me chamou a atenção como psicanalista foi a radical questão do ponto de vista. O quanto, numa situação ímpar, a pessoa pode sentir como sendo um horror, ou pode ter um savoir faire frente ao real.

Em Jakob von Gunter um diário de Robert Walser* o personagem Jakob reflete:

“Por mais tola e ignorante que uma pessoa seja, se ela souber se portar, se insinuar, se souber fazer as coisas, não estará perdida: encontrará seu caminho na vida talvez até melhor do que o inteligente e o sabe-tudo. Importante é o modo como se fazem as coisas, ah, sim...”

Jim e Aurora se encontram numa situação limite. Uma situação sem saída. Nunca mais verão a luz do sol ou o mar. Nunca mais terão uma casa ou um trabalho. Nunca mais verão ou falarão com outras pessoas. Por muito menos, muitas pessoas entram em depressão, ficam ranzinzas e fazem inúmeros boicotes contra si. Porém, como diz Jakob; Jim e Aurora souberam fazer com sua realidade. Criaram, construíram, se apaixonaram. Fizeram o melhor possível que eles conseguiram naquela situação limite.

Por outro lado, Jakob von Gunter, personagem de Walser, tem acesso à vida, a pessoas, ao sol, a estudo, a trabalho e, não usufrui de sua vida. Não cresce, não progride, não se apaixona; assim como muitos que existem nesta Terra.

Como mostra o filme, é preciso ter uma decisão interna para usufruir a vida, para além do tempo, do espaço, da pressão e da temperatura. Mais do que a realidade externa, a realidade interna é que dá o tom e o colorido para nossas vidas! De preferência, em companhia!

Por: Fabiana Ratti, psicanalista.