segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

As aventuras de Pi


Por Laís Olivato, historiadora


Estreado em 2011 e dirigido por Ang Lee, As aventuras de Pi talvez seja um dos melhores filmes do ano. Protagonizado por Pi Pastel (Suraj Sharma), a aventura trata novamente sobre as diferentes formas de se contar a mesma história.

Nascido na Índia, num zoológico administrado por seu pai, Pi inicia o desafio de narrar sua saga pessoal a um escritor em crise no Canadá. O dilema imposto ao curioso personagem é a tarefa de fazer outras pessoas acreditarem em Deus.

Dentre tantos pontos pertinentes da primeira narrativa feita por Pi de sua infância e adolescência na Índia destaco a curiosidade do mesmo pelas mais diversas formas de religião. Era um garoto que transitava tranquilamente entre o budismo, o islamismo e o cristianismo a fim de intensificar a busca por respostas acerca do sentido de sua própria existência. Contudo, ao se deparar com um imenso tigre de bengala, chamado Richard Parker, no zoológico de seu pai, suas crenças ficaram abaladas. Como poderia uma criatura tão linda ser também um dos seres mais cruéis e perigosos que já havia conhecido?

Por problemas com impostos, o pai de Pi resolve transferir o zoológico para a América do Norte numa viagem de Navio, tal qual a feita por Cristovão Colombo. Porém, logo dos primeiros dias do trajeto, o navio afunda e Pi foi o único sobrevivente junto a Richard Parker do acidente.

Sendo obrigado a dividir um mesmo bote com um predador de grande porte, Pi vê sua vida sendo desafiada a cada instante da jornada de 227 dias, no Pacífico. É aqui que Ang Lee nos surpreende. Para quem tiver a oportunidade, o filme está disponível para ser assistido em alta resolução e em 3D, nos cinemas, a fim de destacar todas as cenas incríveis da fantasia criada nessa viagem.

Pensar que o medo constante de Richard Parker manteve o protagonista vivo é o mais interessante dessa história. Após perder todos seus entes queridos e sua terra natal, o único sentido da vida para Pi era garantir um bom convívio com o seu pior pesadelo. No silêncio do oceano, era com o tigre de bengala (que na atualidade é uma espécie ameaçada em extinção) que o garoto discutia, pensava, sentia, chorava. Era esse animal perverso o sintetizador de seus sentimentos mais profundos.

Ao ser resgatado e questionado sobre a veracidade de sua história pelos jornais da época, Pi contou outra versão de sua história. Menos ficcional e talvez tão amedrontadora quanto a do tigre, mas com certeza sem nenhuma magia.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

O homem urso

Resenha Crítica sobre o filme O homem urso de Werner Herzog

Luiza Olivato, estudante de letras

Para o estudo de um objeto, consideram-se duas opções metodológicas. A primeira é abrangê-lo em toda sua forma e conteúdo, observando que a estrutura do objeto é fixa e segue determinados padrões. A segunda consiste em admiti-lo como uma estrutura multifacetada em que o estudo de cada uma de suas partes, ora distanciado, ora aproximado, pode revelar minuciosamente as características, que não são previamente delimitadas, do objeto como um todo.

Walter Benjamin (1993) aplica tal concepção a parâmetros de análise textual e mostra que a primeira forma de estudo de um objeto, citada acima, pode ser encaixada nos moldes do texto científico, ao passo que a segunda ao texto ensaístico. Atentando-se para as duas diferenças, é possível aplicá-las para a interpretação de um filme, como no caso de O homem urso de Werner Herzog.

O homem urso é um documentário sobre Thimoty Treadwell, um estudioso que dedicou muitos anos de sua vida em defesa aos ursos pardos do Alasca por meio do contato direto com o habitat desses animais e filmagens posteriormente divulgadas sobre sua pesquisa. Para contar a história de Treadwell, Herzog utilizou de vários depoimentos de indivíduos que pertenciam aos círculos de relação do ambientalista.  Ao empregar diferentes perspectivas sobre o trabalho de Treadwell, ao mesmo tempo em que esses comentários teciam a biografia do pesquisador, pode-se constatar que Herzog analisava seu objeto de estudo de forma a considerá-lo de forma multifacetada, em que cada depoimento compõe um fragmento deste objeto que, ao final da apresentação de cada uma dessas partes, é possível que o telespectador componha a história de Thimoty Treadwell e tenha seu próprio ponto de vista sobre a trajetória do ambientalista. Sendo assim, Werner Herzog trabalha seu filme como se fosse um ensaio, segundo os conceitos de Walter Benjamin.

Entretanto, se observadas as relações traçadas entre Thimoty Treadwell e seu objeto de análise, os ursos pardos, percebe-se um movimento de expressão diferente do tratado por Herzog. Nas filmagens de Treadwell, nota-se que o ambientalista considera que, para salvar os ursos dos caçadores, ele tem a missão de se aproximar dos animais e mostrar ao público seus modos de vida, no entanto, nesse contato, Treadwell imprime características humanas aos animais e não os considera como seres que possuem suas determinadas singularidades, como se os ursos fossem passíveis de uma “humanização”. Portanto, ao passo que o cineasta lida com seu objeto de estudo de forma ensaística, o ambientalista determina seu objeto sobre uma única perspectiva, num estilo próximo ao texto científico.

Dentre toda cadeia de depoimentos familiares estabelecida em O homem urso, Werner Herzog exprime seu ponto de vista em determinado momento: “às vezes, Treadwell ficava cara a cara com a dura realidade da natureza selvagem. Isso não combinava com sua visão sentimental de que tudo ali era bom e o universo vivia em equilíbrio e harmonia.” (1h07). O cineasta considera que Treadwell possui uma visão distorcida sobre a natureza: a de que ela é harmônica, quando, na realidade e em sua opinião, ela é composta pelo oposto, visto que há animais que matam uns aos outros sendo pertencentes da mesma espécie ou não.

Em oposição tanto a opinião de Herzog, quanto de Treadwell, primeiramente, encaixa-se o argumento utilizado em depoimento de Sven Haakanson, curador do museu Alutiiq de Kodiak, que possui artigos sobre as comunidades que vivem no Alasca.  Nele, Haakanson possui a posição de absoluto contato entre Treadwell e os ursos pardos como falta de respeito à natureza, pois corresponde a uma invasão do território dos ursos e, ao ter a constante presença humana, corre-se o risco de que os ursos deixem de considerar os seres humanos como uma ameaça, o que os prejudicaria ainda mais.

Aliado a posição de Haakanson e contrariando a visão de Herzog, pode-se observar que a natureza dos animais compõe um ambiente que não é caótico, mas sim harmônico dentro das perspectivas dos animais e do próprio sistema de equilíbrio da natureza. O termo “harmônico”, para os seres humanos, designa uma visão utópica de um lugar onde não há mortes e existe igualdade de condições e justiça. Se tal definição não se aplica aos seres humanos, julgá-la em um contexto de outros seres vivos que se organizam em sociedade de forma diferente da humana, torna-se ainda mais equivocada. Portanto, deve-se procurar entender a natureza sob uma ótica dos seres vivos estudados e não buscar encaixá-los em parâmetros determinados pela sociedade humana. 

Referência Bibliográfica: BENJAMIN, Walter. Obras escolhidas: Magia e técnica, arte e política. São Paulo: Brasiliense, 1993