sábado, 31 de março de 2012

Biutiful





Por: Fabiana Ratti, psicanalista 

Primeiro filme do diretor mexicano Alejandro Gonzalez Inarritu, Biutiful tem a capacidade monumental de ‘destruir’ a beleza de uma cidade maravilhosa: Barcelona. Achei impressionante que, a partir de uma cidade mediterrânea, ensolarada (mesmo no inverno), com “torres traçadas por Gaudi”, vida cultural e noturna agitadas, conseguir torna-la monstruosa. Suja, feia, criminosa. Só por alguns momentos temos a noção que estamos na cidade, assim mesmo, sempre com tomadas terríveis de miserabilidade.  

Nesse ponto, penso que a cidade é a melhor personagem do filme. Sim. Uma cidade luminosa mas que, como aponta Inarritu, uma cidade de duas faces, como muitas metrópoles que estão sendo formadas. Com uma imensa quantidade de álcool, drogas, prostituição, doença mental, tráfico, desemprego, imigração sem um acompanhamento do Estado, o que não traz nenhum benefício para a sociedade e para o imigrante, miserabilidade na moradia, nas refeições, na espiritualidade, no bolso e na educação: biutiful, como se fala se escreve. De bonito, não tem nada!   

Já podemos dizer que se trata de um filme que levanta questões sociais muito sérias do destino das metrópoles na atualidade. Existem muitas criticas, e mesmo a sinopse oficial do filme, defende o ator principal Uxbal (Javier Bardem) como um homem em conflito, um anti-herói, alguém que lutava por algo diferente mas que era corrompido pelas forças da sociedade.

Não é meu ponto de vista. Uxbal pode ter sido corrompido, mas do meu ponto de vista ele era um participante ativo. Pode não ser de maneira consciente, mas além da sociedade horrorosa a qual ele estava inserido, suas atitudes eram inconseqüentes, ele colocava os filhos e os imigrantes em risco de vida, falcatruava, não dialogava com a ex-esposa comprometendo a vida de todos a sua volta, mas fazia um ar de vítima, de bom moço e arrependido, colocando sempre a responsabilidade no outro: na esposa, no irmão, no chefe. Inconscientemente, pode ser, porém, não menos responsável por seus atos.

Além disso, Uxbal estava sempre com a mesma feição. Em qualquer situação, a mesma expressão, realmente me interrogo o que o fez ser indicado ao Oscar de melhor ator. Uma grande dúvida.

O que vale no filme é realmente a cidade. Uma cidade linda, apaixonante, travestida pelos horrores dos descuidos e irresponsabilidades sociais e políticas. A que ponto a natureza humana pode chegar!


·  Dirigido por Alejandro Gonzalez Inarritu
·  Com Javier Bardem, Eduard Fernande, Blanca Portillo
·  Gênero drama  
·  Nacionalidade Espanha México  

sábado, 24 de março de 2012

O Estudante






Por: Fabiana Ratti

O Estudante, do mexicano Roberto Girault, faz lembrar a expressão: “nenhuma corrente pode ser mais forte do que seu elo mais fraco.” O que tem de mais forte no filme é, paradoxalmente, o seu elo mais fraco, e neste caso, é o amor.

O Estudante narra o trajeto de Chano (Jorge Lavat), um homem aposentado que decide fazer faculdade de Literatura e enfrenta situações adversas por preconceitos e conflitos de gerações. Com o tempo e atitudes de dedicação, Chano vai se inserindo entre os novos amigos.

O filme é lírico, poético e inspirado em frases de Dom Quixote, mas Girault, como bom iniciante que é, resvala na fórmula do amor como mágica mirabolante perdendo um pouco o compasso do filme. Torna tudo muito simplista como se bastasse o amor para superar as dificuldades sérias que a vida apresenta.

Por outro lado, marca um amor e uma preocupação de uns com os outros dentro do grupo que, realmente, vem faltando em nossa sociedade pós-contemporânea. Além de saborearem os amores e as amizades com atitudes e gestos que realmente emocionam, contando que estamos num mundo em que há um desespero pela beleza e juventude a qualquer custo, muitas vezes, havendo um esquecimento pelas belas e nobres atitudes de um homem frente a uma mulher e de jovens frente aos experientes e vividos senhores, atitudes tais que podem ser apreciadas no desenrolar do filme.

sábado, 17 de março de 2012

Chico Buarque



Por: Fabiana Ratti 

Chico Buarque encantou ontem com suas belas músicas e arranjos no hoje, HSBC Brasil, antigo Tom Brasil. Com letras lindas e maravilhoso conjunto de instrumentos e instrumentistas, impossível sair incólume a esse momento sublime.

Com um panô de Oscar Niemeyer “A Mulher Nua”, duas pinturas de Cândido Portinari “O Bloco Carnavalesco” e “O Circo” ao fundo, podíamos contar também com luzes e sombras sobre uma Banda de Moebius, figura topológica matemática que marca a dimensão tridimensional de que o que está dentro está fora e vice versa.  

O repertório marcado, principalmente, pelas novas composições de seu último disco “Chico”, muito bem acompanhado por todos os presentes, fez a platéia delirar com seu sucesso “O meu amor”.

Chico, muito conhecido por suas letras que entoam a alma feminina, que muitos dizem ser incompreensível, inexplicável e até um ‘buraco negro’, Lacan nomeou esse fenômeno de “A mulher não existe”. A mulher com A maiúsculo. Com esta frase, levou muitas vaias das feministas na virada dos anos 60 para os 70, mas com isso, ele estava dizendo que, o conjunto das mulheres não existe. Não é possível cataloga-las no conjunto dAs mulheres. Existe uma singularidade, uma particularidade radical nessa ‘alma feminina’, muitas vezes, intraduzível e incompreensível a olho nu.    

Chico, como bom artista que é, captura fragmentos dessa singularidade e coloca em formato musical para que todos, tocados em seus corações, possam cantar e se deliciar com os ritmos que a alma humana imprime em nossas vidas.

Chico, Imperdível!


O meu amor 

O meu amor
Tem um jeito manso que é só seu
E que me deixa louca
Quando me beija a boca
A minha pele inteira fica arrepiada
E me beija com calma e fundo
Até minh'alma se sentir beijada, ai

O meu amor
Tem um jeito manso que é só seu
Que rouba os meus sentidos
Viola os meus ouvidos
Com tantos segredos lindos e indecentes
Depois brinca comigo
Ri do meu umbigo
E me crava os dentes, ai

Eu sou sua menina, viu?
E ele é o meu rapaz
Meu corpo é testemunha
Do bem que ele me faz

O meu amor
Tem um jeito manso que é só seu
De me deixar maluca
Quando me roça a nuca
E quase me machuca com a barba malfeita
E de pousar as coxas entre as minhas coxas
Quando ele se deita, ai

O meu amor
Tem um jeito manso que é só seu
De me fazer rodeios
De me beijar os seios
Me beijar o ventre
E me deixar em brasa
Desfruta do meu corpo
Como se o meu corpo fosse a sua casa, ai

Eu sou sua menina, viu?
E ele é o meu rapaz
Meu corpo é testemunha
Do bem que ele me faz

músicos da turnê
Maestro e violonista - Luiz Claudio Ramos
Piano: João Rebouças
Teclados e vocais:  Bia Paes Leme
Bateria : Wilson das Neves
Percussão: Chico Batera
Contrabaixo: Jorge Helder
Flauta e sopros: Marcelo Bernardes

quinta-feira, 8 de março de 2012

Potiche – Esposa troféu.

Por: Fabiana Ratti 

Potiche – Esposa troféu, uma comédia despretensiosa do diretor francês François Ozon. O filme parte de uma tradicional família burguesa. A Esposa, Suzanne Pujol (Catherine Deneuve), que herda a fábrica de guarda-chuvas do pai e deixa o marido Robert Pujol (Fabrice Luchini) administrá-la. Eles têm um casal de filhos e nenhum deles trabalha. A menina repetiu a história de sua mãe, casou-se e teve filhos. O menino, um bon vivant estudante de artes.
O filme se passa em 1977 e sua narrativa se desencadeia a partir da greve dos funcionários da fábrica que pleiteiam por melhorias. Robert demonstra ser um homem desprezível. Com traições, má administração da empresa e o menor respeito pelos funcionários, Robert é mantido prisioneiro dos funcionários e assim, a Sra Pujol se vê obrigada a sair de sua função ‘esposa troféu’ para ir negociar com os funcionários com a ajuda do líder sindical Maurice Babin (Gérard Dépardieu) e antigo amante, portanto, arquiinimigo de seu marido.
Após este acontecimento, o filme faz uma guinada na discussão clássica família burguesa versus potencial feminino para o trabalho. Um tom feminista dos anos 70 imbuído de ‘as mulheres vão dominar o mundo’ do século XXI. 
O filme me fez lembrar as palavras do historiador britânico E.P. Thompson (1924- 1993) em “Costumes em Comum” que diz que as comunidades trabalhadoras tinham criado seus próprios espaços culturais, possuíam meios de fazer valer suas normas e cuidavam para receber o que lhes era devido. Não eram os direitos adquiridos hoje em dia e talvez fosse menos do que o merecido. Mas, não foram sujeitos passivos da história. Os sindicatos foram se formando junto com a engrenagem dos trabalhadores.
Thompson também discorda da ideia de “sempre colocar a mulher como vítima, negando-lhe atividade própria.” (p.346) Thompson diz em “Costumes em Comum” que quando ia a palestras na década de 70 precisava omitir essas ideias pois as feministas entendiam que era um posicionamento contra as mulheres. Não. Thompson se defende e diz ver o contexto histórico, saber das reais dificuldades da inserção das mulheres na sociedade, mas inclui que elas tinham seu próprio reduto de ação e que não eram sujeitos passivos, mas responsáveis por seus próprios atos e pela direção que desejavam seguir.
Potiche é um filme simples que enaltece essa visão de Thompson.  
Diretor: François Ozon
Elenco: Catherine Deneuve, Gérard Depardieu, Fabrice Luchini, Karin Viard, Judith Godrèche, Jérémie Renier, Sergi López
Produção: Eric Altmeyer, Nicolas Altmeyer
Roteiro: François Ozon
Trilha Sonora: Philippe Rombi

sábado, 3 de março de 2012

A dama de ferro






Por: Fabiana Ratti 

Minha parte no blog é elaborada por filmes, livros e peças que assisti, refleti e vim escrevendo ao longo dos anos. Com duas filhas pequenas e a necessidade de certa logística para se locomover para os programas culturais de SP, o blog foi uma forma de estar mais próxima das artes sem sair de casa. 

Porém, A Dama de Ferro de Phyllida Lloyd me arrastou ao cinema, principalmente pelo fato de Margaret Thatcher ter sido primeira-ministra de 1979 a 1990 e, de certa forma, ter feito parte de minha adolescência, quando a via pela TV com seus posicionamentos firmes e declarações decidiadas em meio às efervescentes discussões políticas e econômicas da década de 80.

Sem dúvida, um belíssimo filme e uma exímia interpretação de Meryl Streep em uma montagem que, através de lembranças, podemos ver momentos importantes e decisivos de sua vida familiar e política.
Como este blog tem o compromisso de, através das obras de arte, fazer um debate com os saberes, e a minha função é pelo viés psicanalítico, destaco aqui dois momentos do filme:

O primeiro, evidentemente, é quando Thatcher, em avançada idade, passando as agruras da solidão, do marasmo, das dificuldades biológicas e psíquicas típicas da idade, é levada ao médico pela filha. Ela demonstra, de forma brilhante, a necessidade que ela está de falar, de contar como está se sentido, de relatar momentos de sua vida, ser escutada e refletir. O médico não está preparado. Com perguntas práticas e objetivas, com interrupções típicas da vida moderna, Thatcher não consegue se abrir. Mas, Meryl Streep nos reporta ao nascimento da psicanálise quando a paciente fala ao médico, ‘fique quieto, deixe-me falar’. O ser humano tem necessidade de se expressar e, ao falar com o outro, a pessoa se escuta e consegue elaborar idéias e pensamentos para fazer avançá-los, não ficando naquela repetição alucinante em que Thatcher se encontrava.

O segundo momento que destaco é quando Thatcher foi abordada por uma admiradora enaltecida por estar à sua frente, frente a um mito. Thatcher foi enfática, dizendo que há uma diferença em ser alguém, como as pessoas buscam hoje em dia, em contraposição à idéia de fazer algo. Fazer algo de útil, fazer algo pelo outro, fazer algo por uma nação. Esse que realmente é o diferencial de sua vida. Quando ela entrou no poder a Inglaterra era uma e ao sair era outra, pela contribuição de seu esforço, raciocínio, dedicação e capacidade de enfrentamento político. 

Uma das contribuições da psicanálise lacaniana é a ênfase no fazer. Lacan, no fim de sua carreira diz que não adianta ir ao psicanalista somente para saber, conhecer-se mais. Este é um dos estágios. É uma possibilidade que trás avanços e move o aparelho psíquico saindo das repetições alucinantes como Thatcher se encontrava, por exemplo. Mas, o outro compromisso é com o fazer. Lacan fala em um savoir-faire, um saber- fazer frente à vida. Um saber-fazer que deixe marcas e faça uma diferença para a própria vida e para a vida daqueles que o cercam (uma família, uma comunidade, uma nação) e nisso, independente do lado político que ocupava, não há dúvida que Thatcher fez a sua parte e deixou marcas na história.

Poderíamos ficar aqui ainda por alguns parágrafos a discutir esse belíssimo filme e momento histórico mas, o filme também nos faz refletir o quanto os laços afetivos e familiares são de profunda importância, que nos momentos mais delicados e angustiantes, são essas pessoas que estão ao nosso lado nos bastidores, nos dando força para crescer e continuar a batalha, mesmo com divergências que possa haver entre eles. O filme nos faz pensar, principalmente, que a infância de nossos filhos é muito curta e precisa ser vivida ao máximo, pois depois, ficam as saudades! Desta forma, encerro aqui a escrita e levarei as meninas e o primo assistirem "Pedro e o Lobo", premiado teatro infantil que está passando no Sesc Consolação, afinal, a vida cultural precisa continuar!  

Atores: Meryl Streep, Jim Broadbent, Richard E. Grant, Harry Lloyd, Anthony Head, Richard E. Grant, Roger Allam, Olivia Colman, Susan Brown.
Direção: Phyllida Lloyd
Gênero: Drama
Distribuidora: Paris Filmes