quarta-feira, 31 de julho de 2019

Rei Leão e a luta pelo poder



Final de semana de férias escolares, volta de viagem... programa: assistir Rei Leão no cinema! Vamos combinar que o desenho é bem mais legal do que ver bichos falando computadorizadamente, mas a essência é o principal, e o Rei Leão deixa sua mensagem!


A primeira vez em que foi lançado pela Disney como desenho animado foi em 1994, sendo record de bilheteria do ano. Em 2011 relançado em 3D e agora em formato animação por computador.

Rei Leão narra a história de Simba, filho do Rei Mufasa que, como toda criança, em algum momento, desobedece aos pais, se arrisca, coloca-se em perigo e os pais precisam socorrer e educa-lo. Num desses momentos o Rei Mufasa corre risco de vida e Simba sente-se culpado pela morte do pai. O irmão de Mufasa, Scar, o grande vilão da história, quer o reino para si e dessa forma, incentiva a culpa de Simba e o aconselha a fugir preparando uma armadilha para o sobrinho.

Achando que Simba está morto, Scar toma o reino para si e podemos observar que seu conceito de gestão pública é bem diferente do de seu irmão. Dessa forma, a terra que antes era alegre, verde, cheia de animais felizes com integração e muita canção, passa a ser um lugar sombrio, tomado pelo medo, pela dor, pela fome e pela insegurança.    

Scar demonstra ser um governante egoísta, possuído pelo desejo de poder que despreza seu povo. Como diz Aristóteles, o problema é o poder tirânico e como diz Hannah Arendt, o problema é o poder totalitário.

Mufasa, por outro lado, tinha uma lógica de poder democrático em que cada animal, cada grupo de animais, ocupava uma posição, exercia seu poder na relação com os outros e assim, faziam o ciclo da vida. O que na biologia chamamos de cadeia alimentar... cada ecossistema fica preservado em seu equilíbrio.    

Scar destrói esse ciclo colocando-se como superior, exercendo um poder totalitário, tirânico e unilateral. Simba foge e abre mão de seu poder. Decide viver cada dia um dia, sem responsabilidades ou ambições, abre mão até de viver entre sua espécie ou mesmo comer o que sua espécie come. Pensa que poderia levar a vida sempre dessa forma...

Porém, o dever lhe chama. E assim, Simba volta para seu Reino e assume seu poder.


Essa é a regra da vida. Pela psicanálise, cada um tem um poder, uma singularidade, um talento a exercer... se a pessoa abre mão de seu lugar, de seu talento; ou a pessoa vai vivendo um dia depois do outro sem um sentido ou objetivo na vida... ou vem a depressão, os sintomas, uma vida sombria que só se ilumina quando a pessoa resolve enfrentar os desafios, batalhar pelo que acredita e enfrentar os seu medos. 

Adulto, Simba vence essa luta! 


Por: Fabiana Ratti, psicanalista

quarta-feira, 10 de julho de 2019

A Pequena Sereia e a despedida do lar (mar)




A pequena sereia é um prodígio, consegue conquistar seu príncipe sem pronunciar uma única palavra.
Ela faz um pacto: sua voz pela liberdade. Arrisca perder sua voz para sempre, fica num corpo humano por um tempo e conquista seu príncipe sem usar as palavras. Sucesso!! Além de tudo, não tem madrasta ou bruxa atrás dela, ninguém a prende na torre, ninguém rouba seu sapatinho ou tenta envenená-la, nem perde anos adormecida. Nem mesmo a cauda a impede de ir para o mundo dos humanos!

O grande dilema de Ariel é deixar o pai que sempre fala para ela ficar no fundo do mar e não ir à superfície. Esse é o clássico dilema Edípico, ficar com o pai, obedecer quem lhe deu a vida, ou seguir seus próprios desejos, seu próprio caminho e ir em direção a um amor.

Freud discute esse ponto em diversos textos, mas é em Totem e Tabu (1913) que afirma categoricamente que a direção do sujeito é o êxodo. É necessário respeitar e cuidar de pai e mãe, mas a direção do ser humano é cuidar de sua própria vida e abrir espaço em seu coração para um amor. Freud também afirma que isso tem um custo. Há um preço a pagar por nossa liberdade, nossas escolhas.

Hoje vemos gerações com dificuldade de sair da casa dos pais. Muitos falam: por que vou sair se tenho tudo? Casa, comida e roupa lavada? Sim. É difícil abrir mão de um certo conforto, enfrentar o futuro incerto e pagar um preço por algo que não está pronto.

Essa também é a razão de muitas separações. Neste sentido, Ariel é campeã! Abre mão do núcleo familiar, do conforto do mar e dos ganhos de estar perto de seus familiares. Ariel, para se casar, troca de nicho ecológico (nada como estudar ciências com a filha pré-adolescente!). Ela sai do mar e vai viver na terra. É outro ambiente, outra relação, outros ecossistemas que existem ali, outro nicho ecológico. Ou seja, se arrisca, paga o preço de seu desejo e enfrenta a vida de carne e osso com suas dores e alegrias! Todo desejo tem um custo, e esse custo é alto.

Muitas vezes, as pessoas vão para o casamento querendo ter a vida que tinham antes e apenas ganhar... apenas a parte boa. Isso é da ordem do impossível. Levamos para o casamento valores, referências, hábitos, receitas, afetos. Mas a ideia é que criemos algo novo, algo inusitado, original. Querer a vida anterior ou repetir a história do pai e da mãe pode ser da ordem da compulsão à repetição e pode não ser saudável.

Ariel enfrenta como poucos abrir mão de posições antigas e pagar o preço de seu desejo.  O mais bonito no filme é que termina em festa. Todo pai se preocupa com os filhos, mas quer vê-los bem e felizes. Essa luta, essa disputa familiar, é realmente para ter um final feliz!
Invejável sua coragem e determinação!

Por: Fabiana Ratti, psicanalista

terça-feira, 2 de julho de 2019

De Volta para o Futuro e o eixo “tempo-espaço” numa análise



De Volta para o Futuro (1985), filme americano de ficção científico foi dirigido por Robert Zemeckis, produzido pela Universal e por Stevens Spielberg, estrelado por Michael Fox (Marty) e Christopher Lloyd (Dr. Emmett Brown). Fez tanto sucesso na época arrecadando a maior bilheteria do ano e assim foi produzido o De volta para o Futuro II e o De volta para o Futuro III. 

Claramente inspirado nas aventuras de Júlio Verne, com o professor cientista e seu assistente, em um dos 3 filmes, o cientista de De Volta para o Futuro, faz referência a gostar de lê-lo em seu tempo de mocidade.

Doctor, como Marty chama o cientista, tem várias ideias inspiradoras e máquinas malucas na tentativa de ir ao passado. Doctor explica pela física como é possível viajar no tempo dependendo da velocidade, pressão e temperatura que a máquina do tempo possa atingir. O cientista faz cálculos, experimentos e ele sempre justifica que é uma questão no eixo “tempo-espaço”.

Como psicanalista, penso que a análise é uma viagem no tempo. É uma questão no eixo “tempo-espaço.” É um momento em que o sujeito para tudo o que está fazendo, desliga o celular e conta histórias do passado remoto e passado recente. Acontecimentos, situações, sensações e emoções. Momentos que ficaram esquecidos, mas que fazem parte da história do sujeito e que afetam seu presente e seu futuro.

A proposta do filme é ir ao passado, modifica-lo e voltar para o presente com uma nova realidade. Para a psicanálise isso ainda não é possível. Talvez pela física quântica isso possa acontecer, pela psicanálise não. Porém, é possível voltar ao passado e ressignificá-lo. Ver com outros olhos. Encontrar outras explicações. Mudar o foco. Reconsiderar os vilões e as mocinhas. Os protagonistas e os artistas principais.   

Mudando o foco nesta relação tempo espacial, podemos modificar o nosso presente e, desta forma, o
nosso futuro. No terceiro filme da série, doctor fala que o destino pertence ao sujeito, à decisão de cada um. E a responsabilidade que cada um deve ter com o presente para que o futuro seja interessante.

A partir da questão tempo e espaço também podemos pensar em outro ponto da psicanálise. O filme traz uma inspiração para esses tempos de internet. Esse momento em que o mundo fica pequeno. Podemos estar conectados a qualquer pessoa, a qualquer cidade, a qualquer país pelo mundo afora. Um tempo espaço impensável para os anos 1980. Hoje é possível atender pessoas em vários países, a qualquer momento dia/hora. Não é preciso mais o setting, a presença física, o ir e vir ao analista. Basta o desejo. É como diz o cineasta brasileiro Glauber Rocha: “basta uma câmara na mão e uma ideia na cabeça.”  Um contato com a internet, o desejo de falar, o desejo de ouvir... temos assim uma análise atravessando tempo e espaço. Rompendo barreiras físicas inimagináveis. É preciso uma abstração. É preciso apostar no desejo, na escuta. O analista pode atravessar muros, pode estar virtualmente conectado e ter a mesma presença de analista para o inconsciente. Como diz Gilberto Gil por volta do ano do lançamento de De volta para o Futuro: “Tempo espaço navegando em todos os sentidos.”

Os psicanalistas, assim como todos os profissionais que revolucionaram o modo de trabalho com as inovações eletrônicas e a internet, também podem acompanhar o seu tempo...

Por: Fabiana Ratti, psicanalista