terça-feira, 26 de julho de 2011

Elephant


Por Laís Olivato

O massacre em Columbine nos Estados Unidos inspirou o diretor Gus Van Sant a produzir o filme Elephant em 2003. O diretor faz alusão a uma párabola budista na qual vários cegos tocam em diferentes partes de um elefante, mas nenhum é capaz de descrevê-lo inteiramente. Talvez o público tenha esta sensação diante dos personagens que tanto caminham ao longo da narrativa. Uma caminhada que só conseguimos acompanhar pelas costas dos atores. É como se o espectador assumisse o ponto de vista de cada personagem no primeiro plano da película. Por um momento é como se todos soubessem que a situação refletida nas escolas secundárias dos Estados Unidos (não exclusivamente) faz parte de uma violência social imanente.
Porém, não se trata apenas dos pais ausentes, do alcoolismo, da bulimia, do bullyng, das drogas e dos jogos eletrônicos. Gus Van Sant deixa transparecer o convívio com as diferenças dentro da escola, a primeira instituição na qual elas realmente aparecem ao indivíduo. As trilhas sonoras se misturam quando o plano sequencia vai de encontro a diferentes personagens. É como se entrássemos dentro do universo de cada um e, entendessemos um pouco mais do adolescente em questão. Vemos que todos os problemas sociais elencados acima se misturam em cada indivíduo que, por estar centrado em si mesmo, não vê os problemas dos outros.
As três melhores amigas que fazem questão de almoçar juntas, fazer compras no shopping juntas e até vomitar juntas são incapazes de perceber até mesmo que o rapaz que paqueram no corredor tem uma namorada. O garoto que gosta de tirar fotografias de casais apaixonados não nota a moça que está ao seu lado revelando um negativo qualquer e, ao invés de iniciar um diálogo com ela, critica seu trabalho. Estes são apenas dois exemplos de várias personagens imersas em suas próprias rotinas.
Este problema oriundo da modernidade ocasionou a explosão de uma forma de violência impessoal expressa no massacre de Columbine nos Estados Unidos ou de Realengo no Rio de Janeiro. A mídia explorou o que pôde da trajetória de vida dos envolvidos, das cartas deixadas, dos problemas familiares, das crenças religiosas e políticas e do bullyng sofrido. Contudo, assim como no filme de Gus Van Sant, a problematização não gerou um prognóstico. A exacerbação das diferenças na sociedade e, especificamente, na escola é um fenômeno cultural interessantíssimo que obrigatoriamente deve ser trabalhada em conjunto pelos adultos, no caso, todos os funcionários de uma escola, a fim de promover a harmonia e o respeito entre os indivíduos e não a violência. Mais do que isso, é necessário que haja um incentivo para que os adolescentes saiam de seus mundos particulares e aprendam a conviver com todos os "outros" que o cercam.

Informações Técnicas
Título Original:  Elephant
País de Origem:  EUA
Gênero:  Drama
Tempo de Duração: 81 minutos
Ano de Lançamento:  2003
Direção:  Gus Van Sant

domingo, 24 de julho de 2011

O Enigma de Kaspar Hauser

Por Fabiana Ratti

O Enigma de Kaspar Hauser, (1975) do diretor Werner Herzog relata a história de Kaspar Hauser, uma criança abandonada na Alemanha Ocidental do século XIX. Kaspar Hauser não fala, apenas diz uma palavra: cavalo. Alimenta-se como um bicho e ao invés de andar, rasteja.

Há um mistério no ar. Mas o que parece é que ele foi abandonado quando criança e ficou sem o convívio com os humanos. Quando encontrado por um homem é trancafiado e amarrado em um porão. Este homem o alimenta e passa a ensinar-lhe algumas palavras. O filme narra a trajetória de Kaspar Hauser na tentativa de passar a ser um humano entre tantos.

Para um olhar de psicanalista, este filme é muito ineteressante. Ele mostra que para o  ser humano ser um ser humano, ele precisa nascer com condições para tal. Porém, o filme demonstra que o ser humano pode ficar na condição de um animal, de um bichinho. Para que o ser se torne um ser humano, não basta sua condição fisiológica para tal. São necessárias as condições psíquicas e sociais.

Para que o humano fique na posição ereta, ande e fale é preciso a identificação com um outro semelhante. Ele precisa do convívio e da imagem como espelho para que suas ações ganhem expressão. Para que o ser se humanize é preciso esforço, aprendizagem e educação. É o convívio com o mundo, são os valores sociais e emocioanis que vão conveccionando e dando forma àquele pedaço de carne que rasteja inerte e rosna quase como um animal.

Trago este filme para debate pois ouço com frequencia, na clínica, frases do tipo: “não vou fazer nada. Nasci assim, sou assim, se quiserem este sou eu.” Isso não é verdade. E este filme confirma esta idéia. Desde a posição ereta até posições mais rebuscadas da condição humana, só foram conseguidas devido a um árduo e constante trabalho.

Lacan diz: “Nada é natural.” O que é natural é a inércia. O natural era a posição de bicho em que se encontrava Kasper Hauser. Nada fazia, nada pensava, nada produzia. Para que ele passasse a andar, comer, falar, ou seja, passasse a ser um ser humano e deixasse a condição de bicho, foi preciso esforço.

O que entendo da frase que aparece no consultório é que, nenhum ser humano gosta de que passem por cima de si, de se anular, para que somente o outro possa existir. Porém, existem cuidados e posições que podem ser tomados para que as pessoas consigam soluções em prol de um grupo, do casal, de um acordo, de um objetivo comum, de uma sociedade, etc. E não, como vem sendo feito muito nesta sociedade: em prol de si, em detrimento do outro ou de muitos, ainda com o argumento de que ‘é natural fazer por si’ e romper todas as leis maiores que imperam na sociedade: civis e amorosas.

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Gainsbourg – O homem que amava as mulheres


Por Laís Olivato

A primeira produção cinematográfica de Joann Sfar, um famoso escritor de quadrinhos francês, é pouco ousada em sua própria proposta de fazer um filme quase surrealista. A cinebiografia de  Lucien Ginsburg, Serge Gainsbourg (interpretado excelentemente por Eric Elmosnino) deixou a desejar. O recurso dos personagens em quadrinhos utilizados ao longo de toda a trama são, de fato, o único diferencial do filme. As animações foram capazes de deixar a narrativa fragmentada e dispersa, mais rica, viva e interessante ao produzir cenas de fantasia incríveis.
A infância de Lucien Ginsburg (seu nome de batismo) foi passada durante a ocupação da França pelos nazistas. Seus pais, russos já haviam fugido de Moscou em 1917 durante a revolução socialista. Contudo, as fantasias criadas pelo protagonista o defenderam da violência do período. Mais tarde, já na idade adulta, o músico foi convidado a fazer uma apresentação para crianças cujos pais não haviam voltado dos campos de concentração.  Ginsburg faz uma apresentação divertida, levando estas crianças a também escapar desta triste realidade, utilizando a imaginação e o lúdico.
A dificuldade em lidar com frustrações e enfrentar os traumas de seu próprio tempo, agravados por ser russo e judeu na primeira metade do século XX, imperam em sua biografia. Pouco compreensivo e imediatista, o músico se entrega à boêmia, ao cigarro, ao álcool e às mulheres mais bonitas de sua época.
É do romance com Brigitte Bardot ( Laetitia Casta) que surge a canção Je t´aime... moi non plus que foi gravada com sua esposa Jane Birkin ( Lucy Gordon que se suicidou antes de terminarem as gravações do filme). As outras canções de Gainsbourg, contudo, parecem descontextualizadas na trama. A regravação da Marseillaise, Aux arms.. etc, na Jamaica, em tons de reggae, surge como um dado desconexo no filme. Neste possível retiro do artista, as ideias parecem desconexas, talvez por aludirem às perturbações emocionais do próprio protagonista.
Nos créditos finais, o cineasta deixa a seguinte mensagem “Amo demais Serge Gainsbourg para trazê-lo à realidade. Não são suas verdades que me interessam, mas sim suas mentiras”. Uma pena que ele tenha conseguido trazer à tona apenas suas “mentirinhas”.

Gainsbourg — Vie héroique
Diretor: Joann Sfar
Elenco: Eric Elmosnino, Lucy Gordon, Laetitia Casta
País de Produção: França (2010) 

sexta-feira, 15 de julho de 2011

Camille Claudel e A história de Adéle H.



  Por: Fabiana Ratti


Isabelle Adjani interpretou, de forma muito sensível, no cinema francês, duas personalidades femininas marcantes e atravessadas pela questão da psicose. Uma vez foi n’A História de Adèle H.de 1975, dirigido por François Truffaut, a outra foi em Camille Claudel de 1988 dirigido por Bruno Nuytten. Ambos os filmes na posição de protagonista e com o papel que leva nome ao filme. Outro fator em comum é que Camille Claudel e Adele H são contemporâneas de meados do século XIX e são francesas. De formas diferentes, porém ambas com seus talentos soterrados, com suas paixões impossibilitadas e, avassaladas pela angústia delirante, perseguições e ataques ferozes de não terem acesso a seus desejos, como conseqüência, a sociedade não compreende aquela situação levando-as à tristeza e à solidão de suas clausuras.

O confinamento era a saída possível que o século XIX encontrou para ‘solucionar’ a questão dos loucos de sua época. A história da loucura é extensa. Desde que existe o homem, existe a loucura. Em cada época e em cada cultura existe um status, uma posição diferente a qual o louco pertence e como a sociedade lida com eles. Na cultura indígena, por exemplo, muitas vezes, eles são os xamãs, os visionários, que prevêem o futuro e dão um direcionamento para onde a comunidade deve ir. Esta posição de status estabiliza o sintoma da psicose e inclui o sujeito da forma como é, com suas qualidades e dificuldades. Na época da inquisição, por exemplo, as loucas eram consideradas feiticeiras que quebravam as leis rígidas vigentes, fazendo com que fossem queimadas em praças públicas para toda a sociedade aprender como não deveriam se comportar. Este último exemplo já aponta uma sociedade ditatorial que exclui as diferenças e, desta forma, exclui as particularidades de cada sujeito.

Hoje, no século XXI, batalhamos por uma sociedade democrática. Se, Camille Claudel e Adele H. tivessem nascido em nosso século, elas teriam podido, cada uma a seu estilo, exercitar seus talentos. Poderiam trabalhar, ter seus nomes reconhecidos. Poderiam, talvez, terem lutado, de outra forma por seus amores, ou, até talvez, encontrar novos amores, fazer novas relações, possíveis para o século XXI.

Porém, na questão da psicose, ainda são necessários muitos avanços para realmente termos uma sociedade democrática, com a inclusão das diferenças e tratamentos digno à saúde mental. Já conseguimos, através de movimentos fortes e lutas acirradas, sair da ‘solução’ de trancafiar os loucos em sanatórios onde os cuidados eram péssimos, os tratamentos quase nulos e a possibilidade de recuperação inexistia.

Mas, o que foi criado no lugar? Qual a assistência possível? O que o SUS e os CAPS vêem fazendo por seus pacientes psiquiátricos? Esta é ainda uma grande tarefa para este século que vem começando e tem como lema a democracia. A saúde mental não pode ficar fora!

Desta forma, as cenas finais de Camille Claudel e Adele H. partem o coração, cada uma a sua maneira, não apenas por essas personalidades terem tido suas vidas amputadas bem antes de uma morte biológica, mas por inúmeras; incontáveis pessoas que deixam suas vidas, ainda muito jovens, ‘afundadas’ em uma doença que tem ampla possibilidade de tratamento, principalmente se diagnosticada rapidamente.

Título original: (L'Histoire d'Adèle H.)
Lançamento: 1975 (França)
Direção: François Truffaut
Duração: 97 min
Gênero: Drama

Título Original:  Camille Claudel
País de Origem:  França
Gênero:  Drama
Tempo de Duração: 166 minutos
Ano de Lançamento:  1988

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Meia-noite em Paris



Por Laís Olivato

Gil Pender (Owen Wilson) é um aspirante a romancista que viaja à Paris com sua noiva para encontrar os sogros que estavam numa viagem a negócios. Este é o plano de fundo do novo filme de Woody Allen, cuja protagonista na verdade é a própria cidade. Logo nas cenas iniciais, o cineasta nos remete a um plano que nos evoca involuntariamente às pinturas de Monet. O cuidado de Woody Allen em estabelecer os planos sequencias no filme, nos alude a uma ode sobre a cidade do Amor, que muitas vezes fala por si só.
Contudo, os personagens norte-americanos que acompanham Gil nesta empreitada, parecem não compartilhar do mesmo ponto de vista. São constantes ao criticar a cidade e os franceses, chegando a um tom de pedantismo encarnado no amigo de sua noiva, Tom (Michael Sheen). As visitas ao Louvre, à Versalhes, às feiras de Antiguidade e aos restaurantes parecem durar uma eternidade ao lado destes pseudointelectuais, como Gil os define.
Enquanto isso, a cidade se revela em suas menores sutilezas. A narrativa se passa em três tempos principais: Paris atual, Paris dos Anos 1920 e Paris na Belle Époque. A cidade parece proporcionar uma inquietude em Gil, principalmente, que é transferida para uma análise crítica de sua própria época. Ele acredita que não viveu nos “bons tempos”. Esta busca constante ao passado o faz se encontrar com personalidades famosas das artes mundiais lidas por Woody Allen de uma maneira excêntrica. Suas conversas com Hemingway, Picasso, Buñuel, Fitzgerald, Gertrude Stein, entre outros, o fazem analisar sua própria realidade.
É comum que levemos nossas dúvidas contemporâneas ao passado em busca de respostas. Contudo, no caso da narrativa de Woody Allen, isto ocasionou um interessante anacronismo no qual Gil, e porque não Paris, encontrou sua verdadeira identidade. Ao optar por se estabelecer na cidade, o norte-americano encontra a companhia de uma francesa que trabalhava numa loja de Antiguidades. De novo, a memória se revela como uma chave para compreendermos quem somos e, para revelar nossas ambições até mesmo pessoais.
Midnight in Paris 
Espanha/EUA , 2011 - 100 minutos 
Comédia
Direção: 
Woody Allen
Roteiro: 
Woody Allen
Elenco: 
Owen Wilson, Marion Cotillard, Rachel McAdams, Carla Bruni-Sarkozy, Michael Sheen, Nina Arianda, Alison Pill, Tom Hiddleston, Kathy Bates, Corey Stoll, Kurt Fuller, Mimi Kenned


segunda-feira, 4 de julho de 2011

O discurso do Rei







Por: Fabiana Ratti

 O discurso do Rei, dirigido por Tom Hooper, mostra uma comovente tragetória da superação de uma dificuldade humana. O Rei Jorge VI, interpretado por Colin Firth, , tem problemas com a dicção e então, procura um fonoaudiólogo, interpretado por Geoffrey Rush.
Ambos muito bem representados em seus papéis, demonstram algo corriqueiro nos consultórios de médicos, fono e psicólogos. Com profunda capacidade de interpretação por parte dos atores, nos deparam com sintomas físicos que se entrelaçam com razões emocionais: inseguranças e temores que ultrapassam as esferas dos sentimentos e pensamentos. Avançam para sintomas biológicos, coportamentais, colocando em risco trabalhos, posições sociais e afetivas.
O discurso do Rei mostra, de maneira magnífica, que um ser humano pode ser Rei, chefe de Estado, gerir nações, sem precisar ser “perfeito”.  
A sociedade atual apresenta um discurso de “normalidade”. Quase como se fôssemos robôs e como se não existissem fragilidades humanas.
Como psicanalistas, acreditamos que cada um tem seu estilo, seu talento e suas fragilidades. O estilo deve ser intensificado com dons e talentos que vão recortando e nomeando a personalidade do sujeito. Colocando-o no mundo, em seu hall social, entre amigos, familiares, trabalho e estudos de acordo com suas preferências e gostos particulares. As fragilidades, por outro lado, precisam ser nomeadas, conhecidas e entendidas pela sujeito. Ele precisa saber que elas existem para que possa lidar com elas, para que elas não destruam o que o talento vai construindo paulatinamente.
Através do Discurso do Rei, podemos acompanhar a trajetória de um homem que luta por seus talentos. Luta por seu lugar e seu poder frente a si próprio, frente à família e frente às nações. Demonstra o quão árduo é batalhar por seus desejos e projetos!
Porém, ao longo da trama, ele consegue se familiarizar e se responsabilizar por sua ‘fragilidade’. Ele investe, cuida de forma a superá-la, ou, pelo menos, que ela não o destrua em sua posição.
É um filme que demontra as duas faces de um ser humano e, como é possível fazer um lado sobrepujar o outro.
Além de dar uma excelente amostra de um profissional da saúde que ama sua profissão!Fica torcendo pelo paciente, triste quando não consegue e decpcionado quando vê que o paciente não aposta nele próprio. Aí está uma entre tantas fraquezas do profissional da saúde, limite intransponível se o sujeito não apostar e não se empenhar no tratamento. Por outro lado, quando existe uma parceria e união para a superação de obstáculos, as possibilidades podem ultrapassar as expectativas!

Título original: (The King's Speech)
Lançamento: 2010 (Inglaterra)
Direção: Tom Hooper
Duração: 118 min
Gênero: Drama