sábado, 25 de agosto de 2012

Uma vida melhor e Um dia sem mexicanos

Por Fabiana Ratti, psicanalista




Uma vida melhor, de Chris Weitz (2011), e Um dia sem mexicanos de Sergio Arau (2004) são mais dois filmes entre tantos sobre imigração. A dureza, as dificuldades, as poucas oportunidades, a preocupação em levar uma vida silenciosa para não serem deportados, pois, pela narrativa dos filmes, viver nos EUA, ainda é uma vida melhor do que nos arredores latino americano.

Uma vida melhor é um filme denso e muito sério. Demian Bichir (Carlos Riquelme) ator mexicano, que concorreu ao Oscar de melhor ator em 2012, está excelente e o filme acompanha o seu perfil. O filme narra a história de um imigrante que faz trabalho de jardinagem nos arredores de Los Angeles e tem um filho adolescente. Carlos passa por todas as agruras de uma vida moderna: a dificuldade de diálogo com seu filho que não vem estudando muito e se envolve com gangues, a luta por trabalho e o dinheiro contado dificultando dar um passo a mais para melhorar sua vida. O filme também retrata, com bastante inteligência, as questões de ética, a inclusão na lei, a consideração pelo outro, situação delicada pois, sendo ilegal no país, eles já partem de uma posição fora da lei, como incluir e ensinar leis a um filho? Como se aproximar, construir um diálogo e ainda discutir afeto? Alguns atos e poucas, porém, importantes palavras, fazem um diferencial para a construção de uma família e de novas relações sociais.

Por outro lado Um dia sem mexicanos é uma comédia bem leve. Cinematograficamente falando, podemos dizer que é bem mequetrefe! Baixo orçamento, provavelmente, um cotidiano básico da vida na Califórnia. Porém, é hilário e discute um tema bastante sério. Vale muito a ideia!

A primeira parte do filme mostra o dia-a-dia da Califórnia e a convivência dos americanos com os latino-americanos, mão de obra barata que são responsáveis por uma grossa fatia da movimentação na economia americana. Mostra a intransigência, a chateação e o incômodo dos americanos com ‘esse povinho’, como se houvesse uma hierarquia entre os seres. O filme ressalta a diferença econômica entre eles, mas não apenas, basta ter um sangue, uma aparência ou mesmo uma imigração de um país afastado, não importa, a pessoa é catalogada de mexicana e as propostas de trabalho, as oportunidades e as relações afetivas mudam! 

A segunda parte do filme é bem surrealista, começam sumir os mexicanos, forma como os americanos chamam, pejorativamente, todos os latino-americanos. Os americanos começam a ficar preocupados, inseguros e tensos. No dia seguinte, os mexicanos retornam como se nada tivesse acontecido e os americanos ficam extremamente felizes, pulam e beijam seus funcionários. Como se eles tivessem passado um frio na barriga: como ficaria nossa vida sem a empregada, o jardineiro, os trabalhadores rurais? Sem ninguém querer pular a fronteira que divide EUA e México? Uma cena hilária é quando um senhor, de cargo muito importante está entrando em sua sala e encontra os mexicanos pregando o quadro, na primeira parte do filme, ele os expulsa, briga e os xinga. Quando ele percebe que se não tem mais os mexicanos, quem terá de fazer a tarefa será ele, no dia seguinte, quando os mexicanos aparecem, o senhor os trata com delicadeza, oferece uma bebida e ainda diz: “Mi casa es su casa”! Um belo filme de homenagem a esses trabalhadores que merecem o reconhecimento por seus trabalhos.

Pensando nos dois filmes, podemos dizer que, segundo Freud, o ser humano é um bichinho que vai sendo lapidado pela cultura. As leis, as regras, o respeito pelo outro, a inclusão das diferenças é algo que requer muito esforço, intelecto e psíquico, para que assim seja possível tirar o foco do próprio Eu e incluir o outro. O primeiro filme tem uma cena excelente que descreve essa questão. Quando é possível dividir o pão, ou seja, abrir mão de uma satisfação em prol do outro, ok. Agora, quando temos um prato de comida que vai trazer ainda mais satisfação, vale até destruir o outro... Para Freud, o ser humano tem pulsão de vida e de morte amalgamadas e é a decisão, a escolha e a posição do sujeito atravessada pela cultura que direciona seus atos.

Em tempos de julgamento de mensalões nesse país em que estamos, podemos dizer que os políticos poderiam fazer mais esforços pelo cumprimento das leis possibilitando que a sociedade e os cidadãos possam se incluir e ter mais possibilidades, dentro das leis de cada país, para que também eles, possam exercitar o respeito, se incluírem nas regras e nas leis para o cumprimento de uma verdadeira cidadania e a busca de uma vida melhor.  Vale a pena se inspirar nos filmes!  

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Um dia








Por:  Fabiana Ratti, psicanalista

Um dia é um drama, do diretor Lone Scherfig, que se passa de 1988 até 2011 enfatizando um dia, um único dia, 15 de julho, na vida dos personagens Emma (Anne Hathaway) e Dexter (Jim Sturgess). A princípio, parece mais uma comédia romântica. Confesso que ao longo do filme eu me irritei com aquela lenga-lenga... Mas com o tempo, fui vendo que era uma história bem real. Um homem e uma mulher que ficam juntos no dia da formatura e depois se tornam amigos. Os caminhos foram se alternando, as escolhas foram sendo feitas e eles passaram a ter o compromisso de se verem ou de se falarem, pelo menos no 15 de julho.

Um dos pontos que mais me veio à cabeça durante o filme foi a explicação de Lacan sobre o tempo lógico. Ele diz que o aparelho psíquico tem um instante de ver, um tempo de compreender e um momento de concluir. Ou seja, são fases do amadurecimento da visão. Às vezes, conseguimos olhar, mas não necessariamente ver. Para ver, é preciso um tempo de compreensão.

No primeiro momento do filme, tive aquela sensação ‘fiquem logo juntos’, o que está impedindo? Depois, com o tempo, ficou bem visível que não resolveria ‘ficar junto’, pois principalmente Dexter, um playboy inveterado, queria saborear tudo e todas, não havendo possibilidade de ver o amor que estava à sua frente. Se ficassem, Emma seria apenas mais uma, pois Dexter ainda não havia passado pelo momento de concluir.

Levou anos, muitas trombadas, amores e desilusões para a ‘ficha cair’, para ele ver o que estava à sua frente. E, o filme interroga: por que levar tanto tempo? Às vezes, pode ser tarde... o percurso poderia ser outro, feito de outra forma...

Por isso a análise é para todos. Não somente para os doentes mentais, ou para quem tem um sintoma muito grave. A análise pode servir como um acelerador do tempo lógico, um acelerador do instante de ver, do tempo de compreender e do momento de concluir, e como o filme discute, essa aceleração pode ser muito preciosa!

Além dessa discussão, o filme também caracteriza muito bem os personagens, as ruas e os hábitos conforme os anos iam se passando. Há uma cena bem interessante em que Emma diz: Eu nunca vou ter um celular, como sendo apenas para poucos. Um ou dois anos depois aparece ela, como todos nós, cada qual com seu celular falando sem parar... Ou seja, o filme vale a pena ser visto!

segunda-feira, 6 de agosto de 2012

O artista




Por: Fabiana Ratti, psicanalista

O artista, dirigido por Michel Hazanavicius, levou a estatueta do Oscar de melhor filme de 2012 e fomentou muitos comentários por ser um filme preto e branco, mudo e com um ritmo e movimentação típicos da era anterior ao mundo da informática.

Porém, a meu ver, conservou um ranço muito típico do século XXI. Conservou a característica das mulheres serem ´biônicas´, super mulheres. Peppy Miller (Bérénice Bejo) consegue um passo para o estrelato com um simples beijo roubado no tapete vermelho.  Ela dança, atua, tem visão de futuro, é bem humorada, agüenta pacificamente a má educação do mocinho, compra os pertences dele quando ele está com dificuldades, o salva da morte, etc, etc. Ou seja, A mulher. Uma mulher plena, assim como podemos ver em filmes como “O Diabo Veste Prada” ou no desenho “Valente”. Mudam os adereços, os artistas, a época a ser filmado, o país, mas continua lá o desespero do século XXI por mulheres plenas e totais.

O mocinho, George Valentin (Jean Dujardin) coitadinho, após os 20 primeiros minutos de glória no filme, pois ele era um ator de filme mudo de renomado sucesso, passa o restante do filme chorando, pois o estúdio passa a produzir filme falado e Valentin não acompanha a evolução cinematográfica.

Gosto do comentário que ouvi na época, no rádio, que levar o Oscar foi uma forma de Hollywood homenagear os europeus, e assim, politicamente ficar mais amistoso com os países do mercado comum, neste momento de crise que os EUA vêm passando. Bom, de toda forma, não é a primeira vez que me interrogo como um filme ganha a estatueta.

Podemos nos lembrar do clássico, “Cantando na Chuva”, que tem mais ou menos o mesmo enredo, um casal que tenta acompanhar os avanços do filme mudo para o cinema falado, ou mesmo, “Luzes da Cidade”, um filme mudo do genial Charles Chaplin, são excelentes filmes do século passado. Filmes que narram histórias de mulheres e homens humanos. A cena da florista em que o vagabundo tenta se passar por milionário diante da florista cega. Ou seja, personagens humanos. Cada um com as suas fraquezas. Quem não seria um pouco pobre ou um pouco cego? A cena é linda! Não por ser em preto e branco ou por ser mudo. O sofrimento do casal em Cantando na Chuva, também é muito genuíno, é difícil, muitas vezes, acompanhar o ritmo da tecnologia e da modernidade e, os seres humanos padecem com as dificuldades da vida.   

Porém, o filme “O Artista”, repete uma fórmula muito usada neste século em que as mulheres precisam ser plenas e totais. Não seria por essa razão que teríamos tantas mulheres solitárias? Mulheres lindas, ricas, inteligentes, famosas em suas áreas de atuação. Plenas. Quase que uma tentativa de não serem humanas... de não terem uma pobreza ou uma cegueira.

Peppy Miller batalha por George Valentin e diz: não sou plena. Algo me falta. O que me falta é este George. Isso é bacana. Nomear e batalhar por um amor é mostrar a ‘falta’ essencial da condição humana, não temos como fugir dela. Mas, a meu ver, existem outros melhores e mais belos filmes. Não vale duas horas e meia de nosso precioso tempo!