quarta-feira, 29 de maio de 2019

Drão - grão



Gilberto Gil


Drão!
O amor da gente  
É como um grão
Uma semente de ilusão
Tem que morrer pra germinar
Plantar nalgum lugar
Ressuscitar no chão
Nossa semeadura
Quem poderá fazer
Aquele amor morrer
Nossa caminhadura
Dura caminhada
Pela noite escura...

Drão!
Não pense na separação
Não despedace o coração
O verdadeiro amor é vão
Estende-se infinito
Imenso monolito
Nossa arquitetura
Quem poderá fazer
Aquele amor morrer
Nossa caminhadura
Cama de tatame
Pela vida afora

Drão!
Os meninos são todos sãos
Os pecados são todos meus
Deus sabe a minha confissão
Não há o que perdoar
Por isso mesmo é que há de haver mais compaixão
Quem poderá fazer
Aquele amor morrer
Se o amor é como um grão
Morre, nasce trigo
Vive, morre pão

Drão!
Drão!
Composição: Gilberto Gil


Morrer pra germinar, brotar de algum lugar, ressuscitar
Uma morte nem sempre é se esvair, se desfazer, despedaçar
Pode ser um recomeço sem reencarnar, um reviver sem morrer, estando vivo, sentir-se vivo
Nem sempre matar algo é sinônimo de fim, pode ser um profundo recomeço, um entrar, profundamente,
Não poder tudo, não poder ter tudo, é poder. Poder escolher
Deixar em algum lugar, sentir-se capaz de deixar, para poder novamente escolher, novamente querer, buscar.
A falta pode ser a abertura para possibilidades
Uma morte pode ser sinônimo de vida...


Escrito por: Xico Gil. 




sábado, 25 de maio de 2019

Os Incríveis e seus talentos



Os Incríveis (2004) e Os Incríveis 2 (2018) são filmes de animação produzidos pela Pixar e distribuídos pela Walt Disney, escritos e dirigidos por Brad Bird.


No começo de Os Incríveis, os super heróis estão banidos de atuar e precisam ficar fazendo trabalho burocrático, escondendo seus talentos, levando a vida na mesmice e na mediocridade do dia a dia. É um pouco a sensação que sentimos sobre as injustiças da vida. O quanto, muitas vezes, pessoas incompetentes e até maldosas ocupam cargos de liderança, enquanto pessoas talentosas, generosas e que realmente fazem a diferença, ficam excluídas de sua atuação.

Mas, como a psicanálise enfatiza, é preciso seguir o desejo, o talento, aquilo que cada um tem de melhor para oferecer, aquilo que faz do sujeito UM. Singular e único.

Beto, o pai, é forte. Helena, a mãe, é elástica. Vitória, a filha adolescente, se fecha numa bolha e protege a família. Flecha, o filho menor, é veloz. E o bebê também tem super poderes. Eles são os ‘Supers’. Além da parceria com Lúcio, gelado, ‘Super’ amigo da família que aparece nas situação mais difíceis para proteger e ajudar a família a fazer o bem na cidade. Inteligentes e estratégicos, mesmo banidos, não resistem em usar os seus talentos em prol de fazer uma diferença para a humanidade.

O que é interessante em Os Incríveis 2 é o quanto é difícil para todo ser humano lidar com o cotidiano e com as próprias fraquezas, como arrumar a casa, cuidar de um bebê, dar aula de matemática para o filho, ajudar uma adolescente na relação com o namorado. Mesmo os superpoderosos têm seus pontos fracos e saber lidar com eles, faz uma grande diferença no caminhar da vida. Por outro lado, também podemos pensar o quanto esses personagens são mais humanos do que parecem. Lógico que vemos no filme um grande imaginário, um mundo da fantasia computadorizado que rompe a lei da física. Porém, muitas vezes, as pessoas creem terem menos poder do que realmente têm, o que faz com que elas se subestimem e não exerçam todo seu potencial,  Se observarmos bem, cada um tem seu super poder. A questão é saber identifica-lo, nomeá-lo e investir nele para que grandes conquistas possam ser feitas.


Outro ponto interessante é a parceria em família. Não importa a idade ou o sexo, cada um ali tem seu talento e é respeitado em seu potencial. Mesmo havendo uma hierarquia e um comando dos mais velhos, naquilo que a criança contribui com seu poder, ela é ouvida e respeitada. As briguinhas de irmãos ou as diferenças entre cada um deles se anula quando a responsabilidade os chama. Isso é o que Freud chama de ‘narcisismo das pequenas diferenças’, saber ultrapassar as diferenças e conseguir se unir em prol de um projeto, em prol de um objetivo maior, essa é uma das funções da análise. Barrar satisfações equivocadas e direcionar o psíquico para realização de desejos que gerem construção.  

Por: Fabiana Ratti, psicanalista lacaniana


   




quarta-feira, 22 de maio de 2019

Divertidamente




Seguindo a linha animação, vamos falar sobre Divertidamente (2015), comédia dramática americana lançado pela Walt Disney Pictures. A trama se passa na mente de Riley, uma menina de 11 anos que sai de Minnesota e muda-se com seus pais para São Francisco, quando seu pai consegue um emprego.
É bem interessante a trama estabelecida entre Alegria, Tristeza, Raiva, Medo e Nojinho, sentimentos personificados que se agitam na mente de Riley com as novas emoções de mudança de cidade, de escola, de amigos, de casa... Para a confecção do filme, os autores e diretores consultaram equipes de psicólogos e neurocientistas criando um excelente retrato do mundo interno, dos conflitos emocionais e brigas internas que acontecem na mente e no coração das pessoas.  

Como psicanalista, o que me pareceu interessante, foi mostrar o quanto é difícil assumir a tristeza. Há
uma expectativa de que a alegria domine. Realmente, é muito bom quando as coisas vão bem e podemos sentir alegria. Porém, a mudança de cidade, o encontro com o novo, estabelecer novas relações; sabemos que são tarefas árduas, principalmente para uma menina de 11 anos. É importante dar vazão à tristeza. É importante que a pessoa chore, que faça uma espécie de luto do que foi vivido e não será mais, do que foi perdido. Novas pessoas e moções virão, porém, é importante que a pessoa entre em contato com a tristeza. Em Luto e Melancolia (1915), Freud escreve que se a pessoa não realizar o luto, chorar, sofrer e se despedir do objeto perdido, essa dor pode virar uma melancolia, trazendo dores e consequências no futuro.

O filme mostra algo bem “moderno” que é um esforço para não dizer que se está triste, para não entrar em contato com o sofrimento, para só sentir prazer.  Esse é um sentimento enganoso. Não adianta ficar tentando driblar o sofrimento. Ele existe. Assim como a alegria, a raiva, o medo, o nojo, ou qualquer outro sentimento. Entrar em contato com o sentimento, nomeá-lo e lidar com ele é a forma mais saudável de enfrentar as situações presentes e se direcionar para as situações futuras. 

Muito interessante também foi ver e entrar no universo de memórias de Riley. O quanto as memórias têm um valor afetivo, como catalogamos segundo uma lei emocional e não racional, o quanto algumas coisas que ‘esquecemos’ no passado podem parecer memórias tão vívidas no presente, como o ‘amigo invisível’ de Riley: Bing Bong.

Divertidamente mostra mecanismos psíquicos de forma alegre e divertida. Também mostra o medo e a esperança da mãe, a raiva e a apreensão do pai, ou seja, outras mentes em conflitos, cada uma atuando ao mesmo tempo numa família... ainda mais quando há mudanças em jogo ... Pessoas interessantes e projetos novos vão aparecer, mas é importante se despedir do antigo e conversar, dialogar.

Ficou parecendo ao espectador que a família quase não havia conversado a respeito da mudança e das perdas. Que existia uma expectativa de que Riley amasse tudo: quarto novo, escola nova e soubesse lidar maravilhosamente com o novo. Quando Riley passa ao ato, toma uma atitude e preocupa os pais, eles conseguem sentar, conversar, ouvir e traduzir em linguagem os medos e as fantasias que estavam rondando em sua mente.

A partir de então, Riley poderia realmente ter uma nova vida.

Por: Fabiana Ratti, psicanalista lacaniana     

segunda-feira, 20 de maio de 2019

Viva A vida é uma festa – e a Constelação Familiar


Viva A vida é uma festa é um filme americano computadorizado que se passa no Dia dos Mortos no México, baseado numa ideia original de Lee Unkrich, produzido pela Pixar e distribuído pela Disney, ganhou o Oscar de melhor animação em 2018 e bateu records de bilheteria.

O filme narra a história de um garoto de 12 anos, Michel Rivera, que no dia dos mortos no México, sai em busca da benção de seu tataravô. Michel pertence a uma família de sapateiros e não seguir essa tradição é uma ofensa para a família. Michel percebe que na foto da família está faltando o pedaço de seu tataravô e que está dobrado um pedaço dessa foto escondendo um segredo familiar. Michel tem um desejo, um sonho, e percebe que para seguir esse sonho, ele precisa da benção de seu tataravô. Ele precisa de uma autorização familiar para seguir um outro caminho, que não o de sapateiro, e a família não considerar uma traição. 

Segundo Freud, as pessoas da família são interligadas. Sentimentos, pensamentos, dores, rancores, são passados de pais para filhos. Algumas vezes de forma consciente, outras vezes, de forma subliminar no convívio do dia a dia do lar. Toda a teoria freudiana é baseada na importância da infância, do convívio em família e da construção dos primeiros laços afetivos.

Freud e Lacan estudaram e trouxeram recursos para lidarmos com o aparelho psíquico individual do sujeito, suas representações e explicações sobre sua própria vida e família. Existem pesquisadores que estudam a questão da psicanálise familiar. Porém, os artigos mostram a dificuldade em caminhar num atendimento familiar pois é muito difícil que todos os membros da família se dediquem e compareçam à sessão de terapia familiar, principalmente se contarmos que alguns dos membros já faleceram, mas mesmo assim, ainda continuam a ter reverberações na vida do sujeito.

Viva a vida é uma festa traz uma nova alternativa para a saúde psíquica. Viva a Vida... é um retrato de uma Constelação Familiar, método sistêmico e fenomenológico desenvolvido por Bert Hellinger nos anos 1970 que argumenta que existem algumas leis do amor que precisam ser seguidas e respeitadas: a inclusão de todos os membros da família, a hierarquia e a lei da troca.

No filme, Michel percebe que seu tataravô está excluído do amor da família, mesmo que em outra dimensão espaço temporal, esta exclusão está causando muitos sofrimentos. A família está enxergando o mundo cinza, sem som e sem alegria. Michel inclui o avô e assim consegue seguir sua profissão trazendo reconciliação, luz e alegria.  

A clínica nos traz muitas interrogações e desafios e dialogar com outras linhas que nos trazem contribuições para o avanço da psicanálise individual do sujeito é um dos nossos compromissos.  

Por: Fabiana Ratti, psicanalista lacaniana. 

sexta-feira, 17 de maio de 2019

Trolls e a felicidade!




Trolls (2016) é um filme de animação americano, produzido pela DreamWorks, dirigida por Mike Mitchell e Walt Dohrn. Os Trolls formam um grupo colorido e animado, que vive na Árvore Troll, cantam e dançam constantemente, são otimistas, fazem festas e acreditam que tudo dará certo. E existem os Bergens, grupo de pessoas infelizes, que veem a vida em preto e branco e acreditam que só podem ter a felicidade se comerem um Troll.

Por um lado, vemos na clínica o perigo da pessoa ver o mundo cor de rosa, não observar os indícios de perigo e assim, não se cuidar, não se preservar, caindo em armadilhas que poderiam ser evitadas. Por outro, no filme, observamos que eles convivem no mesmo espaço, têm os mesmos recursos e, o que muda, é a forma como veem e se posicionam na vida. Assim, são infelizes, não usufruem das possibilidades acessíveis a eles e ficam acreditando que somente capturando o outro é que serão felizes. Que somente o outro tem a chave para a felicidade e para o sucesso. Essas pessoas são realmente muito infelizes pois não acreditam no que há de mais belo no ser humano, o seu próprio potencial.

Trolls é um divertido filme de animação para ser visto em família. Um dos momentos auge é a “hora do abraço”. Momento instituído para todos se abraçarem de forma carinhosa e dar o melhor que existe em si. Além disso, Trolls transmite uma verdade ímpar: as pessoas que não apostam em si e acreditam que o outro tem o ‘mistério’ para alcançar a felicidade, tornam-se pessoas chupinhas, vampiras e altamente destrutivas. Na vida real, é preciso análise para sair desse posicionamento de que o outro tem a chave da felicidade e apostar mais em si próprio.  

O que é bem interessante no filme é que os Bergens não ficam felizes em conviver e curtir junto com os Trolls a sua felicidade. Não. Eles não podem compartilhar. Não podem usufruir. Não têm o jogo de cintura, o ‘savoir faire’, o ‘saber fazer’ que Lacan diz ser importante na vida. Não. Eles precisam cercar, extorquir, destruir sua residência, comê-los. Eles não percebem que  exterminá-los só diminui
a chance de felicidade. Por que não aprender com eles? Por que não apostar que a felicidade e o sucesso está em si próprio?

O filme caminha para um final feliz. Na vida prática e na clínica, eles aparecem de forma bem  mais sorrateira e menos visível a olhos nu. Fiquem atentos e fujam dos Bergens!  


Por: Fabiana Ratti, psicanalista lacaniana