quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

De Mais Ninguém


Por: Fabiana Ratti 

Em homenagem ao Carnaval, vamos falar sobre uma música composta por Marisa Monte e Arnaldo Antunes intitulada De Mais Ninguém. O interessante da música é que, quando a ouvimos rapidamente, temos a impressão de que ela fala de alguém. Mas se prestamos um pouco mais de atenção, percebemos que Marisa Monte e Arnaldo Antunes personificam a dor. É como se ela fosse uma entidade, um ser, um indivíduo autônomo que se relaciona com as pessoas. Os compositores foram bastante felizes e sensíveis ao ‘denunciar’ algo que aparece muito na clínica e, portanto, nos corações dos apaixonados, é quase que um ‘casamento com a dor’. A música enfatiza: a dor é minha e não é de mais ninguém... é meu troféu, é o que restou...é o que me aquece sem me dar calor... A dor é minha, dor...

A dor fica quase como sendo uma lembrança, um pedaço, algo daquele que partiu... E, vão vivendo, anos e anos aninhados à dor, aquecidos pela solidão, carregando um troféu, não abrindo espaço para... mais ninguém... 

Que neste ano que se inicia (pós carnaval), tenhamos mais ‘separações’ das dores para podermos termos mais ‘encontros felizes’. (como diz Lacan).

De Mais Ninguém

Marisa Monte, Arnaldo Antunes

Se ela me deixou a dor,
É minha só, não é de mais ninguém
Aos outros eu devolvo a dó
Eu tenho a minha dor
Se ela preferiu ficar sozinha,
Ou já tem um outro bem
Se ela me deixou,
A dor é minha,
A dor é de quem tem...

É meu troféu, é o que restou
É o que me aquece sem me dar calor
Se eu não tenho o meu amor,
Eu tenho a minha dor
A sala, o quarto,
A casa está vazia,
A cozinha, o corredor.
Se nos meus braços,
Ela não se aninha,
A dor é minha, a dor.

Se ela me deixou a dor,
É minha só, não é de mais ninguém
Aos outros eu devolvo a dó
Eu tenho a minha dor
Se ela preferiu ficar sozinha,
Ou já tem um outro bem
Se ela me deixou,
A dor é minha,
A dor é de quem tem
mmmh...mmmh...

É o meu lençol, é o cobertor
É o que me aquece sem me dar calor
Se eu não tenho o meu amor,
Eu tenho a minha dor
A sala, o quarto,
A casa está vazia,
A cozinha, o corredor.
Se nos meus braços,
Ela não se aninha,
A dor é minha, a dor.
mmmh mmmh...

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Noites Brancas

Por: Fabiana Ratti

Noites Brancas, obra escrita por Fiodor Dostoiévcki em 1848, dirigida no cinema por Luchino Visconti, interpretado no cinema por  Marcello Mastroianni e Maria Schell. Podemos dizer que seria um ‘anti-dostoiévski’ assim como Nelson Rodrigues escreveu o “Anti-Nelson Rodrigues”. A obra possui sua carga dramática, mas de toda a sua obra é a mais lírica, poética e romântica. 

No filme de Visconti, numa noite em São Petersburgo, o personagem de Mastroiani  encontra, por acaso, a sofrida e sonhadora Nástienka que espera o seu amor. Uma pessoa que há um ano prometara-lhe voltar e salvá-la de sua vidinha triste e solitária ao lado da avó. O filme se passa na noite marcada de seu possível reencontro.  

Este filme, principalmente por ser representado por Marcelo Mastroiani, me remeteu a uma colocação bem interessante de Freud em que este diz que não são os atributos físicos da pessoa, as carências de encanto, as inferioridades orgânicas ou algum desenvolvimento imperfeito que faz com que a pessoa seja tomada pela timidez e inibição de sentimentos de inferioridade.  Freud discute que a clínica comprova que também pessoas com belos atributos físicos e pessoas desejadas por outras, também são ‘tomados’ por sentimentos de inferioridade. Chegando à conclusão que “Na etiologia das neuroses, a inferioridade orgânica e o desenvolvimento imperfeito desempenham papel insignificante (...)As neuroses fazem uso de tais inferioridades como um pretexto...” para não se aproximar do outro. Somente um pretexto, as neuroses são construções do aparelho psíquico, não condizem com a biologia ou fisiologia da pessoa.     

E, Noites Brancas, com o galã Marcelo Mastroiani, com belos atributos físicos e sem nenhuma carência de encantos, demonstra, de forma poética, esta evidência clínica. O quanto é possível ficar tomado pelas emoções, pelas inseguranças e medos, e assim, em alguns momentos, fica difícil agir e se colocar como um amor real e possível. Ou seja, agir diante do mundo e do ser amado. Ao contrário, as neuroses aparecem, inibem o sujeito e este passa a viver mais de sonhos e de neuroses e menos de realidade.
Dostoievski, sempre uma bela obra!

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

Dostoievski – Os Irmãos Karamazov





Por: Fabiana Ratti 

“Quanto mais amo a humanidade em geral, menos amo as pessoas em particular, como indivíduos. Muitas vezes tenho sonhado apaixonadamente em servir à humanidade, e talvez tivesse mesmo subido ao calvário por meus semelhantes, se tivesse sido preciso, embora não possa viver com ninguém dois dias no mesmo quarto. Sei por experiência. Quando alguém está junto de mim, sua personalidade oprime meu amor-próprio e constrange minha liberdade. Em vinte e quatro horas, posso antipatizar com as melhores pessoas... Torno-me o inimigo dos homens, logo que ficam em contato comigo...” (68)

Entre tantas discussões e elogios que podemos fazer à obra de Dostoievski, é preciso selecionar a cada vez um traço que daria para fazer uma tese.  Recorto este parágrafo para dizer o quanto ele é cru, pragmático e objetivo. O quanto é possível se comover com a fome, a seca, a guerra, a miséria, a violência, etc. Mas como é difícil o convívio diário de um ser com o outro. Manter o cuidado, os bons tratos, a educação, o respeito e a dignidade.

Freud diria que estar com o outro, se relacionar, manter padrões razoáveis de bons tratos é um exercício narcísico. Ou seja, é preciso abrir mão de algumas coisas, escutar, incluir a opinião, o gosto, o jeito do outro. Exercício narcísico pois não é possível se relacionar e ficar rígido em seu narcisismo. Ou seja, “olhar somente para seu umbigo”, como diríamos num bom português. Portanto, quando Dostoievski diz que estar com o outro ‘oprime o amor próprio’. Sim. O outro não estará, o tempo todo, ‘alisando’ o narcisismo, dizendo que a pessoa é ótima, querida e ela fará tudo pela pessoa. Ao contrário, relacionar-se é convocar o outro a se esforçar a dar o que ele tem de melhor. É esforçar-se para fazer pelo outro, incluir o outro. E, logicamente, que a liberdade absoluta é perdida, pois existe uma segunda opinião, um segundo desejo. É possível escolher, mas na escolha estará embutida uma união de pensamentos, ideias e desejos. A cada momento, um prevalecerá e o outro terá de abrir mão.

Estar com uma pessoa é realmente um forte exercício de amor próprio, escolha e liberdade. A outra opção é ficar sozinho. Mais tranqüilo, menos opressivo e com mais liberdade. Porém, da mesma maneira, há uma perda. Algo a pessoa fica sem... não tenhamos ilusões na liberdade absoluta! Trata-se apenas de escolha.    

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Lord Mountdrago de Somerset Maugham





Por: Fabiana Ratti 

Somerset Maugham (1874 – 1965) escreveu novelas, peças de teatro e diferentes formas de ficções. Eu o conhecia de romances policiais e histórias de suspense. Nas férias, temos mais tempo para saborear esses mistérios e me deparei com o livro “Lord Mountdrago”. Iniciei a leitura. Para minha surpresa se tratava de um tratamento de psicanálise!

A princípio, uma loucura, pois a descrição do Doutor Audlin, o psicanalista, era de quem operava mágicas e milagres. Com o passar da narrativa, Dr. Audlin pareceu ser um homem sensível, uma pessoa sensata, com uma boa relação médico-paciente, principio básico para o tratamento analítico. Com pensamentos e perguntas ponderadas e uma excelente condução do tratamento.

Então, Doutor Audlin descreve um caso inusitado... Lord Mountdrago, ilustre membro do Governo Britânico, aparece em seu consultório, porque anda tendo sonhos tortuosos.

Somerset Maugham é muito perspicaz ao descrever a vergonha, o incômodo que é para uma ilustre pessoa pública, bem sucedida e abastada financeiramente, recorrer ao humilde exercício de se colocar frente a um psicanalista. Recostar-se no divã e falar das próprias dificuldades, inseguranças e incertezas, como se um homem bem sucedido não as tivesse...

A queixa de Lord Mountdrago são sonhos que se repetem e se tornam pesadelos. No mais, Lord Mountdrago se diz uma pessoa exímia: família, filhos, profissão, honestidade. O único empecilho é realmente o sonho. Ele sonha com uma única pessoa que o persegue e passa situações inusitadas e ridículas. Acorda nervoso, exaurido, chegando a perder o sono, a fome. O sonho afeta o seu dia, a produtividade. Dr. Audlin pede para que ele desenvolva, fale mais dessa pessoa que sempre aparece em seu sonho, sua relação e diferenças com essa pessoa... No que o Lord Mountdrago ofereceu grande resistência.

Até então, eu pensava ser uma intrincada discussão psicanalítica. Dr. Audlin até consegue furar a resistência e “abrir o inconsciente” do paciente, como diz Lacan, quando o analista consegue fazer com que o paciente fale profundamente sobre um assunto difícil. Derrapa quando dá um conselho bastante moralista ao paciente, porém, é preciso relevar devido ao grande valor literário da obra e então, Maughan faz a virada... e volta a ser o respeitável autor policial já meu conhecido. Ele tem uma sacada brilhante, inusitada, original e que faz esta obra ficar entre os grandes romances policiais.