sábado, 19 de novembro de 2011

O primeiro que disse






Por: Fabiana Ratti


“O primeiro que disse” é um filme italiano que se passa em Lecce, cidade histórica no sul da Itália. Basicamente o enredo se trata de um filho, Tommaso (Riccardo Scamarcio), que reúne forças para assumir a homossexualidade perante a família em um jantar e é surpreendido pelo irmão Antônio (Alessandro Preziosi) que se antecipa e, revela a sua própria homossexualidade. Há um alvoroço na família. O pai o expulsa e em seguida é acometido por um ataque cardíaco. Diante da situação, Tommaso se vê enredado pela família, sente-se responsável em cuidar do pai, assumir os negócios da família, mesmo não tendo o menor jeito para os negócios e se responsabiliza em passar um tempo até que tudo fique mais calmo, mesmo tendo que deixar seu namorado, amigos e sua vida em Roma onde estudava.

O mais interessante do filme, no meu ponto de vista, é que  Ferzan Ozpetek, diretor turco radicado na Itália, consegue transmitir, através da família Cantone, o quanto o ser humano vive em amarras imaginárias, abrindo mão de sua posição, de sua natureza em prol do Outro. Outro escrito com maiúsculo pois é um Outro da própria cabeça, construído ao longo de gerações por regras, hábitos e normas que são tão arraigados e fortes que não se sabe porque se repete, mas se repete com orgulho e a satisfação maior não é pela realização dos fatos em si, mas pela realização imaginária do olhar comprovador desse Outro hipotético e fantasmático que assombra e controla.

Trocando em miúdos. Após a cena bombástica da revelação de Antônio, Ozpetek vai, sutilmente, mostrando como cada um da família tem algo precioso guardado no armário. Como cada um vive em função de manter as aparências, em ser bem visto na família e na pequena cidade, ou seja, no olhar desses Outros e, abrem mão de seus sonhos e estilo de vida para ficarem como fantoches representando um papel e falando mal dos outros. Bebem de seu próprio veneno e não se dão conta. Por exemplo: o pai   Vincenzo, muito bem interpretado por Ennio Fantastichini, tem uma amante, tanto ele quanto a mulher ‘fingem’ isso não acontecer, a avó, ao que dá a entender, sofre até os dias atuais por ter desejado se casar com um e ter aceito casar-se com outro, Tommaso, além da questão sexual, deseja ser escritor, freqüentou faculdade de letras dizendo ser de economia e em todos os anos de estudo não abriu o jogo com os pais.

Estes são alguns exemplos, mas o filme é repleto desta discussão, nem o genro Napolitano o pai aceita muito. Ou seja, existe uma norma, um padrão, uma linha reta utópica e tudo que sai fora dessa risca é motivo de piada, de chacota, não deveria existir. Realmente muito difícil viver dessa forma. É a representação perfeita de uma família italiana tradicional, mas é também uma crítica a esse mecanismo psíquico humano que paga um preço absurdo por estar nas ‘regras’; vive como um fantoche da vida executando o desejo de Outros, reproduz as rivalidades e piadas e nunca banca sua verdadeira posição. As conseqüências são as apresentadas no filme, uma senhora que passou a vida toda sonhando com o possível candidato a casamento, uma alcoólatra e assim por diante. Muitas vezes, é desta forma que a sociedade vai sendo construída... mas não adianta acusar a família ou a sociedade, Ozpetek é bastante firme em sua posição, é preciso o posicionamento do sujeito se não, ele é co-responsável com a opressão que ele mesmo se coloca. 

Nome Original: Mine Vaganti
Direção: Ferzan Ozpetek
Duração: 110 minutos
Ano: 2010
País: Itália
Gênero: Comédia

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