segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Redentor



Por: Fabiana Ratti


Podemos dizer que Redentor, filme de 2004, dirigido por Cláudio Torres, é divido em dois: uma primeira parte bem realista e uma segunda absolutamente surrealista. Esta segunda parte torna o filme inusitado e de um drama, Cláudio Torres consegue fazer fortes pitadas de humor e ainda viabilizar o sonho de todo brasileiro: fazer o corrupto pagar e devolver seu roubo. ‘Surreal’, certo?

Célio Rocha (Pedro Cardoso) é um repórter carioca e precisa fazer a cobertura de um escândalo imobiliário, a questão é que Otávio Sabóia (Miguel Falabella) era seu amigo de infância e filho do empreiteiro corrupto que se suicidara, além do fato de que o pai, Dr. Sabóia, também ter aplicado a falcatrua imobiliária com os próprios pais de Célio. 

Na década de 70, a Barra da Tijuca no Rio de Janeiro, ainda era uma área a ser explorada e o Dr. Sabóia lançou o ‘condomínio Paraíso’, entre tantos que estavam sendo lançados no local. Amigos, Célio e Otávio, o primeiro conheceu a maquete e através da empolgação do filho, os pais decidiram comprar um apartamento, o número 808. Mal sabiam eles que o mesmo estava sendo vendido para outras famílias e que o empreendimento nunca ficaria pronto. Colapso na família de Célio e a culpa por não ver seu pai de classe média, honesto trabalhador, nunca ter podido realizar seu sonho de um apartamento frente ao mar, mesmo tendo pago caro por ele.

Estas situações em nosso país são reais, cotidianas e em grande quantidade: quanto não pagamos por algo que não vemos e nunca teremos o retorno?

Lendo Thompson, historiador britânico, podemos ver que há uma defasagem entre o que ele pensa, o que seria um padrão aceitável de nível de corrupção e algo que extrapola os limites do aceitável: “Estamos habituados a pensar na exploração como algo que ocorre em nível rasteiro, no estágio da produção. No início do século XVIII, a riqueza era criada nesse nível inferior, mas logo se elevou para regiões mais altas, acumulada em grandes nacos, e os lucros seriam obtidos na distribuição, monopolização e venda de mercadorias (...) na manipulação do crédito e na capacidade de apoderar-se dos cargos do Estado.” (1991, p. 34) “Foi uma fase predatória de capitalismo agrário e comercial, e o próprio Estado estava entre os principais objetos de rapina.” Thompson fala de uma fase pré-revolução industrial e diz indignado, que tudo podia ser comprado com dinheiro: direito de uso, privilégios, liberdades, serviços, votos. Não existiam leis, o dinheiro dava as cartas. Utiliza a expressão: “A velha corrupção” – “se a corrupção é percebida, faz-se vistas grossas”, todos roubam, “Nada é inusitado, tudo é incluído nos padrões aceitos pela época” do século XVIII.

Triste percepção de que o Brasil está dois séculos atrasado. Ainda estamos como selvagens, num mundo sem leis, fazendo vistas grossas e deixando a “velha corrupção” ser bastante atual. E os aparelhos psíquicos? Como ficam os investimentos das pessoas honestas para outros, indiscriminadamente, usufruírem do dinheiro e do trabalho destes? Fernando Torres e Fernanda Monte Negro, pais do repórter, encenaram brilhantemente o inconsciente dilacerado ante a violência sofrida. 

Mas, não é só o Redentor que tem seu toque surreal, Thompson também o tem quando interroga: Será que um dia teremos um mundo mais ligado em bens culturais, saúde, educação e relacionamentos em detrimento de bens materiais, do consumismo desvairado e do dinheiro a qualquer custo? Todos temos direito a nossos 5 minutos de utopia e Cláudio Torres o faz com galhardia, ironia e com ótimas interpretações! 

Livro: Costumes em Comum de E.P.Thompson, Cia das Letras, 1991
Filme: Redentor
Diretor: Cláudio Torres
Elenco: Pedro Cardoso, Miguel Falabella, Stênio Garcia, Camila Pitanga, Fernanda Montenegro, Fernando Torres, Enrique Diaz, Jean-Pierre Noher, Mauro Mendonça, Tony Tornado, Lúcio Mauro, Paulo Goulart, José Wilker, Fernanda Torres.
Produção: Cláudio Torres, Leonardo Monteiro de Barros
Roteiro: Elena Soárez, Fernanda Torres, Cláudio Torres
Fotografia: Ralph Strelow
Trilha Sonora: Maurício Tagliari, Luca Raele

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