quarta-feira, 27 de fevereiro de 2013

Morango e Chocolate - Habana Blues



Um dia desses assisti ao premiado filme Morango com Chocolate, dirigido em 1994 por Tomás Gutiérres Aléa e Juan Carlos Tobío, baseado na obra de Senel Paz e, realmente, esse merece os prêmios que recebeu! O filme é sensível e engraçado, ao mesmo tempo que faz críticas mordazes à política cubana, discute relações afetivas e preconceito sexual. É um daqueles filmes que se você não viu, corra para ver. Como faz falta filmes assim na filmografia mundial!O filme é leve, ao mesmo tempo em que discute pontos sérios, detalhes, sutilezas que fazem um grande diferencial na vida de uma nação.

A história se passa em Havana em 1979. David, um estudante comunista e heterossexual, é paquerado por Diego, um artista gay descontente com o regime. Os dois estão na praça a tomar sorvete. Qual sabor? O que te apetece? Quais sabores combinam? Quais se misturam? Essa é a discussão ao longo do filme. Gosto por leituras, visões de mundo, iniciativas, sexualidade, índoles, amizades. São diálogos inteligentes, perspicazes, que tocam nossa emoção, tanto pelas injustiças culturais e sociais como pela forma divertida e escrachada que os assuntos são discutidos e encenados. Falta na filmografia atual os diretores respeitarem a inteligência do público tanto como os diretores cubanos tiveram o cuidado.

Embargada pela discussão Cubana, na seqüência, assisti ao Habana Blues de 2005 dirigido por Benito Zambrano. Também um filme excelente que, através das músicas cubanas e da bela fotografia, conseguiu passar um retrato fiel do cotidiano de Havana. As dificuldades do regime, a falta de comida, a comunicação restrita e principalmente, o quanto os músicos, fechados na ilha, ficam na mão de olheiros, aguardando as poucas oportunidades de produtores que aparecem por lá com capital estrangeiro e que os músicos, pouco podem escolher ou pedir para valorizar seus trabalhos, devido à dificuldade de movimentação e opção que a ilha permite.     

O filme narra a história de 2 grandes amigos músicos Ruy e Tito. Ruy está num casamento em crise com dois filhos, Tito, que mora com a avó, é ajudado por ela, e a ajuda, pois é o parente mais próximo. Os dois amigos, ‘unha e carne’, fazem parte de uma mesma banda e recebem uma produtora espanhola que está à procura de músicos latinos para uma gravadora. O filme se passa com muita música, latinidade, sexo, alegria, festa e perseverança para enfrentar os obstáculos, nesse sentido, de uma forma bem brasileira.

A questão muito marcante nos dois filmes, na minha visão de psicanalista, é o quanto o comunismo restringe os sonhos. Freud (1932, vol. XXII, p.205), em uma carta endereçada a Einstein diz ´a garantia de satisfação de todas as necessidades materiais e o estabelecimento da igualdade em outros aspectos, entre todos os membros da comunidade. Isto, na minha opinião, é uma ilusão!´ Não que Freud fosse favorável ao capitalismo, principalmente o capitalismo selvagem, as diferenças sociais, econômicas e culturais... lógico que não. Mas, Freud está colocando que o suprimento das necessidades materiais e o estabelecimento da igualdade, não abarcam os sonhos dos indivíduos.

Uma questão muito séria apontada em Habana Blues foi: se o cantor faz a escolha de ir para a Espanha e tentar a vida de músico, mesmo aceitando as péssimas condições que o contrato impõe, se não der certo, ele pode nunca mais voltar... Nunca mais ver sua família. Nunca mais trabalhar em sua terra natal. Precisa viver como um mendigo em terra estrangeira. A Esposa de Ruy, um outro forte exemplo, ao perceber a necessidade da separação, embrenha-se no projeto de pegar um barquinho e ir morar em Miami, com grande chance de naufragar no mar, sem a menor segurança e quase que condenada a ter um subemprego no exterior, sem nunca mais poder retornar a seu país. Ou seja, o cidadão cubano não tem o direito de ir e vir, não há democracia, muito menos a globalização, restringindo as escolhas de vida de seus cidadãos.

Um outro ponto que Morango e Chocolate discute com ironia apontando essa questão, era o fato de David ser estudante de letras e não ter acesso a nenhum escritor mundial. Não conhecia poesias, romances e escritores internacionais, ou seja, uma restrição muito grande em relação a seu sonho de fazer literatura. Diego, sendo artista, queria propor novas formas de fazer exposição, levar a cultura ao povo e o regime, o tempo todo, cortava suas asas.

Do ponto de vista psicanalítico, para que o ser humano viva, além de arroz e feijão, é preciso que ele tenha asas... sonhe e batalhe por seu vôo, se não, deixa de ser vida!  

Uma homenagem à blogueira cubana que estava em nosso país nesse mês.

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