quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Existem Crocodilos no Mar e Um Heroi do Nosso Tempo






 Por:  Fabiana Ratti

Existem Crocodilos no Mar” é um belíssimo livro sobre Enaiatollah, um menino afegão de 10 anos que foi deixado por sua mãe e teve a coragem e a bravura de cruzar a Ásia em busca de uma vida melhor. Escrito por Fábio Geda, professor e escritor, este livro tornou-se best-seller na Itália devido ao carisma com que a trajetória é narrada e o leitor se envolve, torcendo pela superação dos desafios, dos embates com os ‘crocodilos’, que aparecem na vida de Enaiat.

Um ponto que gostaria de ressaltar, entre tantos que a narrativa nos impinge a pensar, é a difícil vida que tem uma pessoa, cuja mãe precisa deixá-lo, em prol da segurança e da vida de seu próprio filho! Enaiat conta os perigos e as condições sub-humanas pelas quais passam aqueles que moram no Afeganistão. As diferentes facções e lutas por poderes inúteis e cruéis. Um dos episódios mais chocantes foi sua descrição do dia em que fecharam a escola. Ele havia cursado a escola por um tempo e, um dia, apareceu um sujeito e ameaçou o professor dizendo para ele fechar a escola. O professor não deu atenção. No dia seguinte, a ameaça se repetiu, e no terceiro dia, fuzilaram os professores e fecharam a escola. Enaiatollah passou por uma experiência atroz de múltiplas violências. Perder o professor, vê-lo morrer a sangue frio, sem ter feito nada de ruim, muito pelo contrário, e ainda ficar sem escola. Enait nunca mais estudou em seu país. Não teve acesso a um dos direitos mais nobres de um cidadão. Ele, assim como todos os seus colegas e toda a sua geração. Este é apenas um exemplo. Que condição de vida, de crescimento e de futuro existe em um local como este?

Ao ler este livro, lembrei do, também belíssimo, filme “Um herói do nosso tempo”, dirigido pelo romeno-israelense Radu Mihaileanu. A história é bem diferente, mas o princípio é o mesmo. Scholomo é um menino negro, cristão, que vive na Etiópia. Para salvar sua vida, é deixado pela mãe em um caminhão com famílias de etíopes judeus que estão imigrando para Israel. Hana, uma mulher judia que havia perdido um filho mais ou menos da mesma idade, entende o pedido da mãe e o acolhe fazendo-o passar por seu filho, judeu etíope. Logo, Scholomo também perde Hana, pois esta, falece por questões de saúde e é acolhido por uma outra família da comunidade judaica. A narrativa tem um excelente roteiro e o filme é riquíssimo em discussões sobre preconceitos racial, étnico e religioso. Poderíamos ir por um desses vieses porém, o que venho discutir é que o aparelho psíquico de Scholomo respondeu de forma  diferente do de Enaiatollah ao ‘abandono’ da mãe. A mãe de Scholomo vivia em um acampamento na Etiópia. A mãe era esquelética, magérrima, provavelmente desnutrida. O acampamento era muito simples. Com pouca estrutura de condições razoáveis de sobrevivência, quiçá, poder pensar em uma vida que se mereça, com educação, saúde, futuro; impensável!

Tanto a Etiópia como o Afeganistão são lugares em que tiram a dignidade do ser humano, do cidadão. As duas mães passaram o mesmo dilema: deixar meu filho perto de mim ou afasta-lo, e assim haver alguma esperança de uma vida digna?

Penso ser este um dos piores dilemas que um ser humano pode passar.

No filme, Scholomo realmente tem acesso a uma vida digna. Acesso a saúde, à educação... Porém, entre dilemas éticos e preconceitos, penso que Scholomo fica paralisado ante o ‘abandono’ da mãe. Ele não entende o ‘abandono’ como uma proteção a sua própria vida, a única saída de sua mãe. Isto faz Scholomo ter acesso, mas de alguma forma, não usufruir, se excluir da vida que lhe é oferecida. Com muito esforço e muita tristeza, Scholomo vai batalhando por se apropriar do universo que, agora, lhe pertence. Ao contrário de Enaiatollah que, pela narrativa, passa rapidamente a batalhar, da maneira que pode, sem entrar no dilema de não ter direito às coisas pelo fato do abandono materno... Sobreviver à rejeição, ainda mais, à rejeição materna, é realmente uma galhardia para poucos! E, cada um à sua maneira, demonstra esforços e conquistas de se introduzir no mundo e ganharem seu espaço.  

Belas obras que nos emocionam e nos instigam ao debate com situações e personalidades diferentes. Nos fazem torcer também para que os cidadãos sejam mais respeitados em seus países e não precisem mais passar por tantos preconceitos: racial, étnico e religioso e que assim, as mães também não precisem amputar uma ‘parte de si’para que seus filhos sobrevivam com dignidade. Obras que valem a penas serem vistas.  
 
Existem Crocodilos no mar
Formato: livro
Autor: Fábio Geda
Tradutor: Joana angélica d'Ávila Melo
Editora: Fontanar
Biografia

Um Heroi do Nosso Tempo
Direção: Radu Mihaileanu
Ano de Lançamento: França, Bélgica, Israel e Itália, 2008
Gênero: Drama
Duração: 140min



 

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