segunda-feira, 30 de julho de 2012

Histórias Cruzadas e A Chave de Sarah




Por: Fabiana Ratti, psicanalista 

Histórias Cruzadas e A Chave de Sarah são dois excelentes filmes. Roteiro, montagem, interpretação. O primeiro se passa no Mississipi na década de 1960, e discute alguns horrores do Apartheid. Segregação, preconceito, desprezo. O outro se passa em Paris, nos tempos atuais, remontando ao rafle du Vel’d’Hiver, o maior aprisionamento de massa de judeus realizado na França (12.800 judeus), que ocorreu entre 16 e 17 de junho de 1942, na segunda guerra mundial, executado pela própria polícia francesa.

Duas situações, dois países diferentes e observamos o mesmo fenômeno de massa. A capacidade que o ser humano tem para ficar cego frente a alguns fenômenos sociais.

Histórias Cruzadas conta, com requinte de detalhes, a vida das moças negras que trabalhavam em casa de família numa pequena cidade dos Estados Unidos e todo o preconceito que a elite branca tinha com essas pessoas que cuidam da criação de seus próprios filhos. Skeeter (Emma Stone) deseja se tornar escritora, para tal, precisa de uma história interessante, polêmica e diferente. Com uma cabeça mais aberta e questionadora, Skeeter começa a se interessar por estas questões, conquista a confiança de Aibileen Clark (Viola Davis) e consegue causar uma polêmica ao interrogar sobre a situação pela qual aquela sociedade impingia sobre as vidas e as famílias negras.

A Chave de Sarah extrapola a discussão do nazismo quando a jornalista americana Júlia (Kristin Scott Thomas), que vive em Paris, é chamada para cobrir as comemorações do 60º aniversário do Vel d’Hiv e descobre que seu sogro tem um apartamento que pertenceu à família judia Starzynski, desapossado no evento de 1942. A vida de Sarah é desvelada dando um ar ainda mais trágico de quanta dor esses fenômenos de massa provocam na vida privada de um sujeito.

Os dois filmes, muito bem feitos e interessantes, nos trás a mesma reflexão: como tantos seres humanos conseguem compactuar com o status quo de descriminação e destruição?

Com todas as questões históricas e culturais, recorremos a Freud em “Psicologia de massa e análise do eu”, no qual discute o grande poder de dominância de um líder. O quanto o ser humano é capaz de se identificar a um líder para se abster de pensar e ganhar o reconhecimento da sociedade. No filme Histórias Cruzadas, algumas vezes aparecem cenas em que a pessoa não compactua com o comportamento de destratar um negro, mas o faz para ser aceita na sociedade, mesmo que fira uma pessoa que se tem muito carinho. Em A chave de Sarah, também vemos policiais que não compactuam e que cedem, abrindo um espaço. Por outro lado, nos dois filmes, também podemos ver pessoas alienadas no sistema, pessoas que aproveitam essas situações sociais para pisarem ainda mais em seus semelhantes e extrapolam o sadismo de maneira autorizada pelo líder.  

O que os dois filmes mais me fizeram pensar foi: o que será que fazemos hoje em nossa sociedade que se assemelha a essas situações sociais horripilantes?  Mesmo com todo esse movimento de antidiscriminação, como é, nos dias atuais, o constante exercício de se questionar e se interrogar para não ser uma pessoa inerte? Repetindo situações autorizadas pela sociedade, mas que não necessariamente compactuamos?

Deixemos essas interrogações com o compromisso da reflexão que bons filmes nos impingem!

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