quinta-feira, 8 de maio de 2025

Adolescência – Psicóloga – Série

 


 

No terceiro capítulo da série Adolescência, temos o atendimento da psicóloga com Jamie. Ela é intensa e muito bem executada, também sem cortes de cena e assim temos a sensação de que participamos da terapia.

No início, mostra o nervosismo dela em entrar em uma sessão com um adolescente de 13 anos em regime interno sendo processado por assassinato. Ou seja, mesmo profissional, somos todos humanos e alguns casos são mais difíceis do que outros. Embora, trabalhar em uma penitenciária nenhum caso deva ser fácil!

A psicóloga está em uma posição bem delicada, por um lado, escutá-lo e por outro, existe algo investigativo em suas perguntas. No momento de maior tensão é quando o menino pergunta sobre seus afetos. Todo ser humano quer ser amado, inclusive ele que cometeu um ato tão atroz.

A psicóloga estava indo muito bem, mas se perdeu em acreditar que precisava responder “A verdade”. E esta é a diferença da psicologia para a psicanálise. Nesse momento, ela acreditou se tratar de uma ‘relação dual”. Que ela deveria responder o que, de fato, pensa e acha em relação ao menino.

E isso não é necessário. Estamos em uma relação profissional e Lacan desenvolve em sua teoria que existe um terceiro na relação que é estabelecida. Podemos usar de recursos linguísticos.

O psicanalista Jacques Lacan (1901- 1981) enfatiza o quanto o analista precisa aprofundar em sua análise pessoal pois não é com o analista, não se trata da pessoa do analista. A linguagem é um bisturi que pode ser utilizada para tratar o aparelho psíquico. Ela é plástica e dinâmica. É possível enfrentar o ‘corpo a corpo’ com o paciente/ analisante e mesmo assim, não atingir o analista.

Utilizando semblantes e significantes na posição de analista, é possível colher ótimos frutos sem se tratar da pele do analista. Não é a pessoa do analista que está em jogo no atendimento. O psicanalista está em missão, ele tem uma função. Lacan discorre sobre: presença de analista, função de analista, ato do analista, discurso do analista. Ou seja, recursos para não se confundir com a pessoa do analista: quem ela gosta ou não gosta, quem ela acha bonito ou não.

O que importa é a verdade do sujeito, seus significantes primordiais, o que tem valor para ele. Não são as concepções pessoais do analista, seus interesses e valores. O que não quer dizer que o psicanalista não fale sobre ‘si’, pois o paciente/analisante frequentemente pergunta uma ou outra questão. Em A direção do tratamento e os princípios do seu poder (1958/1998), Tópico 3, 4º parágrafo, Lacan escreve: que o analista precisa “pagar também com sua pessoa, na medida em que, haja o que houver, ele a empresta como suporte aos fenômenos singulares que a análise descobriu na transferência.” (p.593).

Por esta razão, o sério compromisso do psicanalista fazer análise. Para ser psicanalista, é preciso chegar a ponto do profissional distanciar-se de si próprio. De suas posições políticas, de seus valores pessoais e econômicos, de suas crenças religiosas ou ateias. Não são os valores pessoais do analista que estão em jogo. E não é por isso que o analista não pode falar de ‘valores pessoais’. Muitas vezes, eles são necessários, mas precisa falar com viés naquilo que o sujeito necessita que seja dito.

Uma palavra da psicóloga, um elogio, um semblante de carinho, baixariam as pulsões de Jamie e não seria necessário brigas e cadeiras rolando pela sala. A psicóloga arriscou acontecer algo mais grave. O profissional da saúde precisa usar da técnica para dialogar com o emocional do sujeito. E não ser técnico e frio, afastando o sujeito e colocando em risco a sessão e a segurança do espaço de tratamento.

 

Fragmento discutido em Clínica e Supervisão – Entrevistas Preliminares – táticas e estratégias psicanalíticas. Ed. Unbewusste Ltda, Fabiana Ratti, psicanalista  

sábado, 26 de abril de 2025

Série Adolescência – Na escola – O Sadismo



           A série Adolescência tem trazido bastante impacto para o divã.

O segundo capítulo mostra a questão na escola. Que ambiente hostil! Podemos pensar no dia a dia de aprendizado neste ambiente de brigas, bullings e contenção de adolescentes. A grande novidade que a série mostra em relação a tantos outros filmes são os bullings digitais. A linguagem de um grupo que quem não conhece os códigos não tem acesso. O que pode parecer amizade ou até generosidade, somente aquele que está inserido percebe as cargas de maldade e constrangimento.

O bulling digital não tem como a pessoa correr e sair da situação, além disso, é visível por um enorme número de pessoas, o que aumenta a gravidade e o efeito. Jamie, no dia do assassinato, chegou às vias de fato. Mas, quando um de seus amigos sai correndo e o policial vai atrás, um pouco antes de entrar no carro de polícia, o menino assume que a faca é sua e diz: “Eu pensei que seria como todas as outras vezes.” Como? Todas as outras vezes!!! Ou seja, as ameaças eram constantes... Provavelmente, para diversos colegas, quanta hostilidade! Que sociedade é essa que estamos criando? Em um país do primeiro mundo!

               Se recorremos a Freud, ele diz o quanto, na construção do narcisismo, existe o sadismo como constitutivo do ser humano. Todo ser humano tem interesse em saber até onde vai o limite do outro, até onde o outro aguenta. Freud explica que isso acontece, principalmente no momento da retirada das fraldas, de 2 a 4 anos. Quando a criança está começando a controlar os esfíncteres e muitos pais dizem na análise que as crianças muito arteiras, deixam escapes pela casa, aprontam, não obedecem. Testam os limites. Freud explica que essas fases emocionais são flutuantes e podem permanecer em outros momentos de vida do ser humano.

               Um outro ponto que nos chama atenção na cena da escola é o pai policial conversando com o filho. Ele diz que aquela conversa é a mais longa que teve com ele. Nem sabia que o filho estudava francês! Que dificuldade é essa de ficar perto dos filhos? Conflito de gerações?

               Essa dificuldade perpassa todas as gerações, mas agora temos o agravante do mundo digital. Horas e horas que as crianças e adolescentes passam em jogos, computadores e celulares. Por um lado, traz conforto para os pais que conseguem trabalhar e fazer suas atividades, mas a série interroga: que dificuldade é essa dos adultos ficarem mais com seus filhos? Conversar, fazer programas e atividades em comum? Ver os filhos?

 

Por: Fabiana Ratti, psicanalista

segunda-feira, 14 de abril de 2025

ADOLESCÊNCIA - SÉRIE - PSICANÁLISE



        Adolescência é uma minissérie Britânica (2025) que tem trazido grande alvoroço ao divã, angústias e mil interrogações. Foi criada por Jack Thorne e Stephen Grahan e muito bem dirigida por Philip Barantini. A primeira cena já é bem impactante. Policiais armados e fortemente protegidos, invadem a casa e quem eles procuram?  Jamie Miller (Owen Cooper) um estudante de 13 anos que é preso acusado de matar a colega de classe.

O primeiro ponto muito interessante da série é que são quatro capítulos em que não há cortes.  A câmera segue em ‘tempo real’ cada capítulo e temos a sensação de que estamos inseridos em cada situação. O que aumenta muito a emoção e a angústia de quem está ‘participando’.  Ideia genial que havia visto somente em um dos filmes de Hitchcock – A Corda - se passa em um apartamento em que houve um assassinato, provocando a mesma tensão e angústia nos expectadores/participantes do evento.

 O segundo ponto interessante da série e que se diferencia de todas as outras de assassinato é que os detetives não vão ao local do crime, não mostra a vítima, sua família e a investigação local. Sai do roteiro Hollywoodiano pré-estabelecido trazendo um novo recorte para o público, convocando ideias e questionamentos bem diferentes dos filmes tradicionais de investigação.  

O terceiro e fundamental ponto da série é que, mais do que de investigação, é um drama psicológico. De forma bastante atual, o crime é filmado. Temos câmeras por toda parte em nossa sociedade na era tecnológica. Tudo conseguimos filmar: aviões e helicópteros caindo, prédios pegando fogo ou desabando por terremoto, animais em momentos inéditos, carros fazendo conversões, crimes e assassinatos.

Então, vem a pergunta: qual o motivo do assassinato?

No primeiro capítulo fica evidente que Jamie é inteligente. Não tem traços visíveis de psiquiatria e responde muito bem ao que lhe é pedido, mesmo sendo em uma situação de stress como na delegacia.

Qual o motivo? O que faz um ser humano dessa idade cometer tal delito?

E, todos que começam a ver, já sabem que a série fala dos bullins e maus tratos, os cyberbullyings, as segregações, os grupos e rivalidades entre os jovens.

Vamos fazer aqui 4 posts. A série tem muito conteúdo, não é possível discutir apenas com uma postagem. No capítulo 2, quando o amigo de Jamie, dono da faca, foi preso pelo policial, ele disse uma frase muito sugestiva e absolutamente preocupante. Ele fala: Eu pensei que seria como todas as outras vezes.

Imaginem quantas vezes e quantas ameaças esses adolescentes já passaram!!!

O mais interessante da série é que ela coloca exatamente essa questão de que não precisa ser psicopata ou uma das piores pessoas do mundo. As pessoas que sofrem bulling e fazem bulling está entre nós. O ser humano tem uma dose forte de sadismo, de maldade, de rivalidade, medo e insegurança, que, muitas vezes, extrapolam para atos que colocam em risco a vida emocional e biológica do outro.

Quais os furos? Quais os pontos que precisamos cuidar para não chegar a isso? O que os pais poderiam ter visto ou poderiam ter feito para não terem chegado a consequência tão grave?

Escrevam... 
Vamos debater esta questão tão importante.


Por: Fabiana Ratti - psicanalista 

sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

Edward - mãos de tesoura - O surrealismo fantástico de Tim Burton e a saúde mental

 


Nesta passagem de ano assistimos em casa Edward mãos de tesoura  - filme de 1990 – clássico de Tim Burton com os excelentes atores Johnny Depp, Winoma Ryder, Dianne Wiest. Surrealismo crítico da sociedade. A começar pela vendedora de Avon que batia de porta em porta, um clássico dos anos 1980/90. Por um lado, uma chata que ficava atrapalhando, por outro, temos o crescimento de empresas como Avon e Natura que mostram a eficiência de sua estratégia de marketing.

Em seguida, Tim Burton faz uma crítica à sociedade do século XX em que os maridos saiam para trabalhar e as mulheres ficavam em casa de forma fútil: fofocando, pensando na estética, paquerando os moços que estavam trabalhando.

E nisto, a batalhadora vendedora de Avon toma uma atitude de coragem e vai até o castelo mal-assombrado da vila de moradores. Tim Burton sempre toca em um tópico muito caro aos analistas: o quanto a diferença pode dizer muito mais sobre um potencial do sujeito, do que uma aberração, como a sociedade costuma ver.

Em Psicologia das massas e análise do ego (1921), Freud explica que há uma tendência no ser humano em rebaixar a inteligência e se juntar às massas. Isso faz as pessoas viverem muito mais na identificação – no mesmo, no narcisismo - do que na irreverência, na diferença e singularidade. Como é difícil para o ser humano ‘sair da caixa’. Ver por outro ângulo, criar, sair da mesmice. O que é compactuado pela sociedade toma um efeito em cadeia e em pouco tempo, todos estão pensando igual.

A vendedora de Avon rompeu as barreiras e limites sociais e trouxe Edward para casa. No que foi muito bem aceito pelo marido e filho. A fofoca a respeito do novo visitante logo se espalhou e as vizinhas se convidaram para fazer um churrasco e conhece-lo.



O que poderia ser uma aberração: suas mãos de tesoura – passou a ser um grande diferencial para a sociedade. Edward passou a podar os arbustos de forma criativa, tosar o pelo dos bichanos na redondeza e fazer cortes de cabelos altamente modernos.

Um saber-fazer com sua diferença sem precedentes! O moderno Frankenstein - havia sido criado por um senhor que o fabricou e lhe deu a vida – era sensível, criativo, gentil e empreendedor. Tinha até visão de negócio de como cortar os cabelos e vender os produtos de sua atual landlady.

Mas, Tim Burton, sempre crítico com a sociedade, denuncia: onde estão as verdadeiras aberrações? Onde está o que estraga a sociedade? O diferente ou aquele que vê a diferença e acusa o outro de não estar integrado na sociedade?

O filme á altamente atual! O quanto a sociedade está tentando negar e apagar as diferenças com técnicas e remédios que deixe toda a sociedade apaziguada, inerte, igual, narcísica. E assim, os diferentes – todos - precisam se recolher, se restringir, sem poder utilizar seu diferencial porque temos de ser uma massa padronizada e unificada. E ninguém entende de onde vem tanta ansiedade e depressão.

 

Por: Fabiana Ratti – psicanalista