quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Rapunzel e o sentimento de posse


Rapunzel é um conto de fada que tem origem na Alemanha e se popularizou ao longo dos anos. Narra a história da bruxa má que resgata a bebê e a coloca numa torre.  Anos se passam até que na adolescência, um príncipe descobre e começa a frequentar a torre utilizando as tranças de Rapunzel, causando raiva na bruxa e a luta da menina por sua liberdade.


Dessa forma, é uma história de possessão de uma pessoa sobre outra. A bruxa não queria a menina como sua companhia ou para cuidar dela. Queria apenas possui-la como um objeto que se compra, que se tem. Muito comum entre os familiares que escondem os filhos embaixo das asas e possessivamente não os deixam sair, passear, ter suas próprias experiências e crescer. Os contos de fada discutem temas preciosos da natureza humana.

Em Enrolados, filme da Disney que narra a história de Rapunzel, fica evidente mais um ponto. Quando os filhos crescem e a juventude aflora, mostra, automaticamente a seus pais, que a idade chegou e muitas vezes, a beleza e a juventude foi embora. Agora é o momento deles. O encontro dos filhos com a sexualidade, o namoro e o casamento afloram ainda mais esse sentimento. Desta forma, não é incomum, pais e mães boicotarem namoros e encontros com esse sentimento. Os filhos ficando em casa, não saindo, não se casando, causam, imaginariamente nos pais, uma construção de que as coisas continuam iguais e ‘ninguém está envelhecendo’. Em Enrolados, manter Rapunzel na torre é “garantia” de beleza e juventude para a bruxa.

Em Análise terminável ou interminável (1937), Freud, no final de sua obra, se interroga a respeito do objetivo de uma análise e quando podemos declarar o término dela. Entre questionamentos coloca que o objetivo da análise é tratar o ego. Com o ego muito grande, não vemos o outro. Para Lacan, na década de 1970, a análise, além do trabalho com o ego, engloba realização de projetos pessoais e construção de laços afetivos. 

Neste sentido, a psicanálise é bem interessante para os pais verem os filhos com outros olhos. Conseguirem diminuir o ego e ver para além dele. Verem os filhos como uma pessoa separada, que têm suas ideias e vontades próprias. Além disso, é bacana que os pais consigam encontrar novos objetivos de vida e fazerem novos laços sociais quando os filhos estão saindo do ninho, estão começando a voar. Poderem pensar que uma nova vida se inicia também para eles. Hoje, com esportes e tantos recursos médicos, odontológicos, nutricionais e estéticos, aos 50, 60 anos, é possível estar em forma, começando uma nova vida, uma nova profissão e, quem sabe, um novo casamento. Ou seja, não é segurando a vida de uma pessoa que garantimos a plenitude e a juventude do outro. Isso é uma ilusão, um pensamento imaginário. Assim como a ideia de ficar solteiro para “garantir” a juventude. A vida passa para todos. A idade chega para todos. O importante é que no caminho consigamos ter construções, realizações e pessoas queridas à volta. Pessoas que queiram ficar ao nosso lado sem precisarmos amarrar ninguém na torre.  

Por: Fabiana Ratti, psicanalista

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