segunda-feira, 16 de setembro de 2019

A busca pelo nome próprio - Lacan


A excomunhão é o termo dado por Lacan para uma das grandes viradas de sua vida profissional. Com suas ideias ousadas, sua capacidade de capturar o inconsciente do sujeito e sua articulação intelectual, Lacan não se encaixou nos moldes da IPA (Instituto formado por Freud em 1910 e coordenado pelos pós freudianos), não concordava em manter o modelo único, ideal e burocrático de prática de formação.

Incluir o inconsciente numa sociedade que prima pelo racional, pelas ciências e tecnologias não é uma tarefa fácil... Há uma tendência a excluir o caos atemporal em que o inconsciente se localiza e tentar explicar tudo pelo convencional.

No Seminário XI (1964), Lacan inicia falando sobre a excomunhão. Ele precisou se posicionar em relação ao seu pertencimento ou não numa comunidade de psicanalistas. Assim, Lacan assume a sua ruptura com o que estava estabelecido, faz um ato de corte com a mesmice dos pós freudianos, com a repetição que aliena o desejo. Pensar fora do que o Outro comprova como bom e certo, como o esperado, com o que já foi visto e com o que já foi aprovado pelo pai é sempre uma arte. Uma arte e, como toda arte, não se captura pela compreensão racional. É um modo de ser, um saber fazer, explica Lacan.

Em outros documentos podemos ver que Lacan demorou 2 anos para fazer essa ruptura, que ele ficou sendo avaliado e interrogado por outros profissionais por longos e tenebrosos anos. Dessa forma, podemos ver que nem para Lacan foi fácil abrir mão desse Outro que aprova e que comprova sua validade, essa comunidade de colegas que carimba sua beatitude (palavra usada por Schreber, clássico paciente de Freud) ou sua incompletude.  

Porém, foi ao abrir mão, fazer o corte e parar de responder ao Outro da certeza que Lacan pode ser realmente LACAN. A clínica comprova seus efeitos. Não é preciso o outro aplaudir, bajular, comprovar egoicamente sua posição. A clínica responde a seus atos e isso basta. Ir pela lógica do inconsciente, abrir mão de ego, de ser compreendido pela ordem da razão e de “ser amado”, é um dos passos para uma grande guinada pessoal e profissional. 

Em Psicologia das massas e análise do eu (1991), Freud discute a capacidade psicológica do líder em mover as massas para fazer de uma pessoa execrável (como Hitler) se tornar uma pessoa aclamada a ponto de toda a população executar tarefas atrozes como puras marionetes de um senhor. Da mesma forma, os lideres podem execrar e expulsar pessoas com o simples poder de identificação e manipulação das massas.   

Ser psicanalista é batalhar para que a psicanálise sobreviva numa sociedade de massas, na qual todos são livres, mas a liberdade não garante que se saiba como sustentar a pura diferença, perto de Outros que já disseram o que fazer e qual é o caminho “certo” a seguir. A partir do desejo de analista, Lacan se posicionou em sua pura diferença. Mesmo o narcisismo sendo constitutivo do aparelho psíquico, é dele que é preciso se livrar ao bancar o desejo em nome próprio e assim marcar a pura diferença. Esse é o trabalho da análise. Abrir mão da ilusão de encontrar garantias e não fazer acordo com a mesmice compactuada pelas massas é o caminho para o nome próprio.

Minha homenagem àqueles que romperam a mesmice em busca do Nome Próprio!

Por: Fabiana Ratti, psicanalista 

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