quarta-feira, 4 de novembro de 2020

Síndrome de Cabana

 

O psicanalista Jacques Lacan (1901-1981) dizia que frente ao Real, face a uma situação inusitada, traumática, a pessoa tem algumas possibilidade: sentar e chorar, fugir, ficar paralisada e em choque,  manifestar sintomas psicossomáticos, agredir o outro  ou pode respirar, pensar e reagir.  Essa última não é uma tarefa fácil! Mas a psicanálise lacaniana trabalha exatamente com a ideia de que é preciso “saber-fazer” a vida! Assim como Jackson com seu canal PAN (PAN#24 @jacksonaraujo), bem como muitas outras pessoas em diversas áreas... a grande questão que se impôs hoje em dia é saber se “reinventar”. 

A vida apresenta muitos dissabores, situações inesperadas, frustrações que provocam mágoas e desilusões que vão tendo consequência ao longo da vida. A pandemia foi algo muito inesperado. Foi um ‘puxão de tapetes’ para muita gente. As pessoas estavam indo numa direção até então tida como “normal” e com o lockdown mundial o mundo todo precisou se adaptar e criar, construir novos recursos numa vida totalmente inesperada. Isso foi um susto e o aparelho psíquico tem um outro timing. Lacan fala em tempo lógico, um tempo do inconsciente, a conhecida frase: uma hora de um beijo pode parecer um segundo e um segundo numa chapa quente, pode parecer uma hora. Às vezes lembramos vividamente algo que nos aconteceu na infância e não lembramos o que comemos no almoço. Ou seja, o tempo emocional é diferente do tempo cronológico, o aparelho psíquico tem outra dimensão. Tudo isso para dizer que as pessoas tomaram um choque, um susto, e cada um tem um tempo e um modo para reagir.   

O primeiro ponto importante a considerar é o que vem sendo chamado de Síndrome de Cabana, que é esse tempo do inconsciente. A pessoa levou a lambada, mas não está conseguindo reagir, processar, raciocinar este novo momento. Ela está anestesiada e então fica com medo de tudo, fica refém dos acontecimentos e não ‘agente’ de sua própria vida. Um segundo ponto é a pessoa que teve perdas irreparáveis com a pandemia. Perdeu vidas, emprego, moradia. Essa pessoa tem a real noção da perda e tem a sensação de que ela pode devastar ainda mais a sua vida. Isso a paralisa, não conseguindo executar tarefas comuns e sair de casa normalmente como antes acontecia. Outras pessoas, mesmo sem terem tido perdas concretas, apresentam esse sintoma e têm a noção de que coisas muito ruins podem acontecer a qualquer momento.

Em todas essas situações se faz muito importante o acompanhamento médico e psicanalítico. A vida é cheia de situações inesperadas e de risco, e o ideal é trabalhar o lado emocional, se fortalecer para conseguir enfrentar a vida e o que ela naturalmente carrega de “riscos”.

Há outras situações que eu não nomearia como ‘síndrome”, porque não é uma doença, não é patológico, mas que podemos dizer que é uma ‘vida de cabana’. Como psicanalista, em casos clínicos, percebo que muitas pessoas descobriram seus próprios lares e aproveitaram esse tempo para descobrirem a si mesmo. Então, tenho ouvido no divã de  algumas pessoas que apesar das incertezas e, claro, insegurança diante do “novo normal”, conseguiram se aceitar, se auto afirmar, tiveram forças para planos e mudanças. Mulheres assumiram cabelos brancos e sentiram-se bonitas, de cabeça erguida. Abandonar a vida na cidade que representava muito stress e tentar a vida mais simples, algumas migrando para o campo e até mesmo aproveitar para  resolver e “limpar” problemas de relacionamento familiar, olhar para seus sistemas familiares.

Essa pandemia colocou um espelho gigante em frente a cada uma das pessoas, as prendeu em casa e as interrogou a respeito de trabalho, amores, moradia, consumismo. O aparelho psíquico precisa ser exercitado, precisa refletir, precisa de oxigênio para ter força emocional e sobreviver aos galeios e tsunamis que a vida apresenta. Somente assim é possível responder ao trauma de forma criativa e construtiva. Testemunho muitas pessoas olhando para si, querendo construir e se fortalecer internamente. Isso é muito possível e saudável. Deixar uma vida ‘eufórica’, de saídas e baladas incessantes para uma internalização e um reencontro consigo mesmo, levando, desta forma, uma vida mais intimista... uma “vida de cabana”.

Por Fabiana Ratti – psicanalista 

Primeiramente publicado no PAN#24 @jacksonaraujo

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