terça-feira, 1 de outubro de 2019

A Casa Torta e a construção de um Psicopata


A Casa Torta (2017) é um filme britânico de mistério, baseado no livro (1949) homônimo de Agatha Christie, que faz jus ao legado da Dama do Crime. O filme é muito bem interpretado por atores de peso e bem dirigido por Gilles Paquet-Brenne.

Casa Torta porque é uma grande casa que foi sendo construída ao longo do tempo e cada ala abriga uma parte da família, além disso, há uma brincadeira de Agatha Christie de que é uma família torta que nela habita.

A Casa pertence a Aristide Leonides, um grego que se mudou para a Inglaterra e fez fortuna; uma parte com o próprio trabalho e a outra com negócios ilícitos que são investigados ao longo do filme. Aristide Leonides é assassinado no começo por uma injeção que deveria conter insulina, mas continha veneno letal. Quem aplicou foi sua segunda esposa 50 anos mais nova. A primeira já havia falecido. Ela sabia de seu conteúdo? Seria ela a assassina?
Muito óbvio para ser um livro da Dama do Crime.

Sophia, a neta de 25 anos chama seu affair para investigar o crime, filho do Inspetor Chefe da Scotland Yard. Charles Hayward chega na casa taciturna e tenta falar com as pessoas, mas é em vão. Encontra a esposa 50 anos mais velha namorando o professor das crianças, a cunhada de Leônidas caçando no jardim, os dois filhos de Leonides com suas respectivas esposas, os 3 netos: Sophia, Eustace e Josefine, e a babá. Cada um numa ala da mansão, cada um com suas esquisitices e narcisismos envoltos em si próprios. Um dos irmãos reclama que agora, aos 55 anos estaria órfão e não saberia o que fazer... Retrata bem a morosidade, a letargia, a inércia em que a família se encontrava vivendo sugando o dinheiro do patriarca da família. A única tagarela era Josefine, neta de uns 10, 12 anos que andava pela casa com um caderno e observava a todos, dizia-se invisível, ninguém a via ou falava com ela.

Hayward é bem tenaz. Ele insiste, se esforça e tenta romper o silêncio, mas o único eco que encontra é a voz de Josefine. Agatha Christie lia Freud. Eram contemporâneos e em alguns livros ela cita a importância de interpretar os sonhos e de ver o lado psicológico das pessoas e das relações. Nesse ela faz o quadro perfeito da criação de um psicopata. Ela mostra o quanto a criança é um espelho da família, o quanto delata pontos que a família não está conseguindo ver ou colocar em palavras. A frieza, o descaso que o psicopata tem pelo outro e pela vida, o raciocínio intacto desprovido de emoções. Numa casa em que cada um olha para si mesmo, não há como criar um ser desejante. Para dar vida a um sujeito, não adianta apenas o biológico ou intelectual: os cuidados com sono, alimentação e estudo. É preciso muito mais. É preciso desejar aquele ser, é preciso ouvi-lo, escutá-lo. O olhar do outro sobre o sujeito é fundamental para a construção de seu aparelho psíquico, para que assim surja um sujeito desejante.

Agatha Christie, diferentemente de outros livros, deixa o assassino bem visível, facilmente perceptível se não tivermos horror da verdade. A escritora mostra como é possível a construção de um ser vazio, desprovido de emoções, que mata a sangue frio, típico do psicopata. O diretor, captando o espírito, narra de forma sublime através da sétima arte.

Por: Fabiana Ratti, psicanalista. 


Um comentário:

  1. Mas afinal de contas ,a Josephine era psicopata não? e quando uma criança e psicopata ou narcisista , ela já nasceu assimou existe a possibilidade de se tornar?pergunto pq eu acho que já se nasce assim, mas sou leiga no assunto....

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