quarta-feira, 10 de julho de 2019

A Pequena Sereia e a despedida do lar (mar)




A pequena sereia é um prodígio, consegue conquistar seu príncipe sem pronunciar uma única palavra.
Ela faz um pacto: sua voz pela liberdade. Arrisca perder sua voz para sempre, fica num corpo humano por um tempo e conquista seu príncipe sem usar as palavras. Sucesso!! Além de tudo, não tem madrasta ou bruxa atrás dela, ninguém a prende na torre, ninguém rouba seu sapatinho ou tenta envenená-la, nem perde anos adormecida. Nem mesmo a cauda a impede de ir para o mundo dos humanos!

O grande dilema de Ariel é deixar o pai que sempre fala para ela ficar no fundo do mar e não ir à superfície. Esse é o clássico dilema Edípico, ficar com o pai, obedecer quem lhe deu a vida, ou seguir seus próprios desejos, seu próprio caminho e ir em direção a um amor.

Freud discute esse ponto em diversos textos, mas é em Totem e Tabu (1913) que afirma categoricamente que a direção do sujeito é o êxodo. É necessário respeitar e cuidar de pai e mãe, mas a direção do ser humano é cuidar de sua própria vida e abrir espaço em seu coração para um amor. Freud também afirma que isso tem um custo. Há um preço a pagar por nossa liberdade, nossas escolhas.

Hoje vemos gerações com dificuldade de sair da casa dos pais. Muitos falam: por que vou sair se tenho tudo? Casa, comida e roupa lavada? Sim. É difícil abrir mão de um certo conforto, enfrentar o futuro incerto e pagar um preço por algo que não está pronto.

Essa também é a razão de muitas separações. Neste sentido, Ariel é campeã! Abre mão do núcleo familiar, do conforto do mar e dos ganhos de estar perto de seus familiares. Ariel, para se casar, troca de nicho ecológico (nada como estudar ciências com a filha pré-adolescente!). Ela sai do mar e vai viver na terra. É outro ambiente, outra relação, outros ecossistemas que existem ali, outro nicho ecológico. Ou seja, se arrisca, paga o preço de seu desejo e enfrenta a vida de carne e osso com suas dores e alegrias! Todo desejo tem um custo, e esse custo é alto.

Muitas vezes, as pessoas vão para o casamento querendo ter a vida que tinham antes e apenas ganhar... apenas a parte boa. Isso é da ordem do impossível. Levamos para o casamento valores, referências, hábitos, receitas, afetos. Mas a ideia é que criemos algo novo, algo inusitado, original. Querer a vida anterior ou repetir a história do pai e da mãe pode ser da ordem da compulsão à repetição e pode não ser saudável.

Ariel enfrenta como poucos abrir mão de posições antigas e pagar o preço de seu desejo.  O mais bonito no filme é que termina em festa. Todo pai se preocupa com os filhos, mas quer vê-los bem e felizes. Essa luta, essa disputa familiar, é realmente para ter um final feliz!
Invejável sua coragem e determinação!

Por: Fabiana Ratti, psicanalista

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