terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Martha





Por: Fabiana Ratti


Martha, filme de 1974, dirigido por Rainer Wener Fassbinder mostra o encontro e união de um casal. Uma união que, para quem olha, pode parecer algo que só acontece na tela de cinema, mas penso que este tipo de união é até mais comum do que supomos.

Fassbinder faz, no começo do filme, um jogo de câmeras inédito no cinema. O casal troca um 1º olhar em Roma com câmeras girando em 360º, e depois, coincidentemente, são apresentados numa reunião de amigos em sua cidade alemã. Amor a 1ª vista? Era para ser?

Ao longo do filme, parece que Martha está hipnotizada, inerte às situações. Ela percebe algumas esquisitices, acha estranho, tem algumas repulsas com cenas de vômitos... mas parece que ela não tem saída, que a união com Helmut Salomon é seu único caminho possível.

Na lua de mel, os dois vão para o sul da Itália. É um casal silencioso. No passeio demonstram não ter intimidade.  Fassbinder cria uma atmosfera com ligeira tensão no ar. Quase como um filme de suspense, como se fosse acontecer alguma coisa a qualquer momento. Tomam banho de sol cada um na sua. Martha fica com a pele vermelha como quem não está acostumada ao sol forte e, com isto, Fassbinder apresenta uma primeira cena assustadora. Salomon convoca Martha ao sexo com rispidez e, ela com sua pele frágil e ardida queimada de sol demonstra as dores de ser firmemente pega num momento em que a pele não poderia ser nem tocada. Salomon, por outro lado, demonstra uma efusividade jamais encontrada em toda a lua de mel. Que alegria tamanha era aquela? Por que Martha não brigou, não se posicionou? Esta é a pergunta que perdura durante todo o filme e a interrogação que nos colocamos diante de alguns casais.

Um segundo momento tenso é a questão que ele falava para que ela parasse de trabalhar e ela dizia que trabalhava na biblioteca por um tempo, que gostava muito, que era seu cotidiano. Chegou um belo dia em que ele enviou sua carta de demissão. Ela chegou ao trabalho e a instituição a informou que haviam aceito a carta de demissão. Como assim? Como a vontade de um sobrepuja o desejo do outro? Que consideração que este marido tem para com a vida e os desejos da esposa?

Fassbinder narra este dilema com primor! Seguem cenas e cenas com atmosferas tensas permeadas com carinhos e relações cotidianas de casal. Martha se assusta. Existe algo que ela estranha, que ela suspeita. Mas, o que a faz não interpela-lo? O que a faz não enfrenta-lo? Medo, insegurança? Solidão? (Seu pai é falecido e a mãe estava num asilo).Falta de outras perspectivas para uma mulher da época?

Fassbinder apresenta assim o clássico casal sádico-masoquista. Todo sádico, toda pessoa que se relaciona de forma a agredir a outra, precisa de um ser que tenha uma vulnerabilidade para ser agredido. Existe um pacto. Miller, psicanalista pós-lacaniano, discute o conceito de parceiro-sintoma. O casal faz uma dupla sintomática. Muitas vezes, tendemos a colocar o sádico como vilão e o masoquista como mocinho, coitado... A questão é: por que não enfrenta? Porque não se posiciona? Existe algo do aparelho psíquico que mantém aquela relação, por algum motivo, particular do sujeito. Para a psicanálise, os dois são responsáveis.

Fassbinder percebe que não é um jogo de vilão e mocinho e coloca um terceiro na jogada. Um amigo de Martha que fica penalizado com a situação e tenta ajuda-la, e tem um fim trágico. Será que as queixas para o amigo são tão inofensivas? Não é apenas o sadismo de Salomão, mas também a falta de posição de Martha que também traz conseqüências nefastas e avassaladoras para si e para aquele que está em volta.

Marta e Salomão não conseguem ser um casal. Não conseguem ser parceiros. Conseguem apenas ter uma satisfação outra: de posse, de servidão, de submissão, etc. Mas nunca de sujeito desejante, que deveria ser a mola propulsora de uma relação.

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