quinta-feira, 26 de dezembro de 2019






Agradeço aos queridos parceiros que fizeram o Projeto UNBEWUSSTE passar a ser uma realidade neste ano de 2019!

Wilsan Takeuchi – setor de marketing

Gabriel Oliveira – T.I.

Maria Lucrécia Peres Rodrigues – OCPR – Organização Contábil Perez Rodrigues

Jonas Ratti – advogado

Zemira Ratti – Advogada

Michelle Gimeniz – ABM Assessoria Brasileira de Marcas

Raquel Pereira – Setor administrativo

Rodrigo Gouveia – Facilitador de contatos

Clarissa Willets, Iara Lopes, Jessica Olivieri, Kadija Faioque – Área da saúde

Dedicados alunos, analisantes e supervisionandos

O apoio da família e em especial do meu querido marido Lugui!


Quais os desejos para 2020?






Che vuoi?

O que queres?

Qu’est que tu veux?

What do you want?


Quais os seus desejos para 2020?

quinta-feira, 19 de dezembro de 2019

Alladin e os pedidos para o Ano Novo!



Para terminar o ano no ciclo contos de fadas, tivemos no cinema o filme Alladin e a Lâmpada Maravilhosa (2019) produzido pela Walt Disney. Final de ano é o momento de pensar nos pedidos para o ano novo, repensar o que foi conquistado nesse e nada como o gênio da lâmpada para refletir sobre os novos pedidos! 

Alladin faz parte dos contos Árabes e como todos esses contos, carrega uma sabedoria popular milenar. Alladin é um menino pobre que para sobreviver, faz algumas artimanhas, mas tem um coração bom e generoso. Um dia, conhece Jasmine na feira livre da cidade, não sabendo de sua origem real, os dois vivem uma aventura e se apaixonam. Paralelamente a isso, Jafar, o invejoso assistente do Rei, pede para Alladin resgatar a lâmpada mágica na caverna para ele. Como todo ser humano, Alladin tem um pedido... deseja pedir a mulher de seus sonhos para o gênio da lâmpada mágica.



A história de Alladin tem versões diferentes, mas sua essência é basicamente a mesma. A ideia de que só é possível conquistar os próprios sonhos com uma mágica: ou a lâmpada, ou uma feiticeira, um anel com poderes, um tapete mágico ou ganhar na mega cena. Estas ideias se repetem nas Mil e Uma Noites, compilado de histórias árabes, persas, indianas que percorreram o mundo através dos séculos.

De maneiras diferentes, com diversas estruturas narrativas e personagens alternados, os
contos da Mil e Uma Noites começam com a ideia de que o desejado está fora e o personagem terá de fazer muito esforço e depender do outro para conseguir o que deseja. Depois de tentativas fracassadas, assim como Alladin, o personagem central volta para casa, reflete, fica mais próximo de si, começa a olhar a situação com outros olhos e percebe que a riqueza, o poder, a mulher amada e a felicidade estão muito mais ao alcance de suas mãos do que havia suposto no primeiro momento. Assim, com reflexão, astúcia, generosidade e humildade, o personagem realiza seus sonhos com seus próprios poderes: estratégia, inteligência e amor.

Quando há ganância e para atingir o sonho é preciso destruir o outro, também não funciona e as consequências veem em revanche. A lógica e a essência que os contos árabes transmitem estão muito de acordo com o que a psicanálise postula e é observado clinicamente no divã. A concretização dos desejos fica muito mais acessível quanto mais próximo o sujeito está de si mesmo.  

Por: Fabiana Ratti, psicanalista 

quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

Um conto de Natal e as escolhas que fazemos na vida


O belíssimo Um conto de Natal (1843) de Charles Dickens discorre sobre a emocionante história de um homem frio e calculista, mesquinho e ranzinza que reclamava da vida e não suportava a felicidade, as comemorações e os dias festivos. Ebenezer Scrooge tinha um escritório de contabilidade, o menor carisma e nenhuma amabilidade para com as pessoas. Deixava seu funcionário sem lareira no frio do inverno Europeu e cobrava se esse atrasasse um minuto, não cumprimentava as pessoas e mesmo sendo muito rico, solteiro e sem filhos, não ajudava as instituições sociais e as pessoas à sua volta.

Naquele ano, passando o Natal sozinho, como sempre fazia, Scrooge recebeu a visita de 3 espíritos. Um que o levou para a infância, sua cidade natal, para os amigos, a inocência dos primeiros momentos, sua família, seu amor. Era o fantasma dos Natais passados. O outro o levou para o presente. A cidade no clima de Natal, conhecidos e parentes que passavam o Natal sem ele. E o último e mais aterrador era o Natal do futuro. Qual futuro teria ele levando essa vida dessa forma que estava vivendo?
Charles Dickens é maravilhoso em seu conto. Ele transmite a ranzinzisse e a chateação de um homem que foi se fechando para a vida, para os amores, para os amigos. Seu único objetivo era ganhar dinheiro e foi vivendo uma vida dura, fria e triste sem laços afetivos e vida social.

Os fantasmas funcionam como psicanalistas que o fazem viajar pelo tempo, percorrer terras distantes e rever suas posições e decisões na vida. Ressignificar o passado para transformar o futuro, é isso que Scrooge consegue após sua viagem no tempo e nas emoções.

Chales Dickens também transmite o quanto o Natal é um momento de comemoração. É um tempo de repensar os feitos do ano, comemorar em família, rever os amigos, doar para os que não tiveram a mesma sorte. É um momento bonito de brindar a vida e sorrir, curtir o que foi conquistado e fazer planos para o futuro, sobretudo em termos de amor e amizade!

Por: Fabiana Ratti, psicanalista

quinta-feira, 12 de dezembro de 2019

Contos de Sade e a Psicanálise Lacaniana


É a partir da obra de Marquês de Sade (1740-1814), que Lacan faz uma revolução em seu modo de pensar a psicanálise. Lacan investe na questão dos modos de gozo, no ano de 1959-60 com O Seminário A ética da psicanálise (1959-1960/1988) e depois com o texto Kant com Sade (1963/1998). Esses estudos são preciosos para acompanhar o desenvolvimento de Lacan, sob a perspectiva de que não existe um bem universal, existe o desejo singular. O ser humano lida, o tempo todo, com o engodo entre desejo e vontade. Entre o que diz querer e pensa querer e a direção que efetivamente segue ou consegue seguir.

Existem as escolhas inconscientes, para além do racional, uma necessidade em ficar numa certa posição subjetiva, uma compulsão à repetição. Ocorrem certas escolhas, em que o sujeito responsabiliza terceiros pelas consequências, mas que no fundo, são escolhas inconscientes que definem sua própria vida.  Assim, por melhores que sejam ou por mais que se esforcem, existe algo mais forte do que elas.

  Em Além do princípio do prazer (1920) Freud diz que as pulsões não tendem ao prazer, como ele pensara até então; as pulsões têm uma tendência enganadora, parecem tender para a vida, para a mudança, mas ficam na repetição e na mesmice. É a partir desse conceito de repetição da pulsão que Lacan nomeia o gozo como o excedente da movimentação pulsional.

Contemporâneo a Kant, Marquês de Sade o segue no ponto de vista de que o “Universo é incompreensível para o homem” (CARLSON, 1984, p.445) e que cada um captura um ponto da realidade, mas Sade faz um avanço. Percebe que o ser humano goza na alegria e na dor. Sade percebe que o ser é capaz de se humilhar, de rastejar, de sangrar física e emocionalmente por um minuto de júbilo. Ele relativiza o bem comum. Em sua obra, questiona a lei moral, a ideia de uma lógica única e de uma harmonia última a se atingir. Percebe que visceralmente o homem goza e isso não passa pelo sujeito racional, sublinha Lacan em Kant com Sade (1963/1998).

Nos contos, demonstra que há um custo para o ser humano lutar em direção ao desejo. A inércia, a repetição das pulsões, a escolha inconsciente de objetos que levam à dor, pode ganhar espaço e o sujeito pode se corromper, deixar o Outro controlar, ficar na queixa e na impotência. É como a primeira fase de uma análise. É preciso bastante esforço para sair da queixa e passar a posicionar-se como sujeito participante de sua própria vida. Sair de uma posição alienada para um projeto desejante.  De mocinhas e mocinhos bem comportados e vítimas de situações terríveis, na análise, as pessoas passam a enxergar que são personagens principais, amplamente responsáveis por seus destinos cruéis. Assim, através da tragédia, Lacan discute a ética do psicanalista e a ética do sujeito na escolha de seus obscuros objetos de desejo.

Por: Fabiana Ratti, psicanalista

sábado, 7 de dezembro de 2019

Cinquenta tons de cinza – o sadismo, o masoquismo e a psicanálise


A pedidos... vamos discutir Cinquenta tons de cinza (2015) dirigido por Sam Taylor Jhonson e baseado no best-seller de E. L. James. Narra a história da universitária Anastásia Steele que começa a ter uma relação sadomasoquista com o magnata Christian Grey. Esses filmes geram muitos debates e comentários, causam furor e como podemos ver, ressurgem em diferentes décadas como: O último tango em Paris na década de 1970, Nove Semanas e meia de amor nos anos 1980.


Na época em que foi lançado 50 tons de cinza trouxe muitos comentários ao divã, mas o pior deles era que o casal escolhido para o filme não tinha química. Uma pena! Para a sétima arte, logicamente, esse é um dos erros crassos afastando o público de sua arte.


O segundo ponto que mais apareceu foi a interrogação: por que isso acontece? Como começa? Como se instala o sadomasoquismo?


Para o conhecimento básico e fins de utilidade pública, o sadismo e o masoquismo são estruturantes do aparelho psíquico. Sim. Todos temos sadismo e masoquismo. Freud tem alguns textos em que explica o que vem primeiro, se eles estão juntos ou separados, mas de toda forma, eles têm uma função importante para a construção e manutenção do aparelho psíquico. A questão é como usar, como dirigir essas pulsões e o quantum de investimento psíquico que será canalizado para as funções sexuais.

A sexualidade e a agressividade, por excelência, em pedra bruta, são os dois resíduos que aproximam o ser humano do animal. Freud utiliza um termo para a criança que é bem interessante: perversa polimorfa. Muitas formas de satisfação. A criança, se não está satisfeita, chora a qualquer hora, grita, esperneia, usa sua agressividade e a sexualidade (satisfação pulsional, oral, anal...) indiscriminadamente. Faz qualquer coisa a qualquer hora. É a educação, a ação dos pais, a observação em relação aos outros amigos que vai dirigindo e canalizando para que as pulsões entrem no mundo da cultura, paguem o preço do mal estar na civilização e assim, o sujeito consiga ver o outro, esperar, aguardar a sua vez, não gritar ou chorar, mas utilizar as palavras. Usar outros recursos para chegar até o outro.

Num exemplo mais concreto, podemos dizer que aquele show que a criança dá por volta de uns 3 anos de idade, se atira no chão, chora e reclama sem parar é um exercício sádico de: basta eu, não interessa o outro e vamos ver até onde o outro me aguenta, até onde posso ir. É bem interessante que aqueles que estão na função de pais se posicionem e falem: não pode ir muito longe não, vamos parar! E coloque limites, faça intervenções. Essas intervenções são estruturantes para o aparelho psíquico norteando os limites possíveis da relação do eu com o outro.

Aqueles que não conseguem e têm dificuldade de enfrentar, sabemos que o exercício sádico se estende por inimagináveis situações, dias e noites a fio e é capaz de estraçalhar famílias e relações. Esse e muitos outros exemplos existem desse tipo de testar o outro, manipular, conseguir coisas por chantagens e jogos de poder. Como filhos e casais em relação a drogas, álcool, jogatina, até chegar na cama.

O masoquismo, por sua vez, não tem escapatória. (rs) Freud descreve três tipos de masoquismo e se não os três, de um deles, você padece. (rs) Auto destruição e boicote é inerente do aparelho psíquico! Da mesma forma que o sadismo, ele é estruturante, mas ao longo da vida precisamos ir nos livrando dele, se não, fica muito pesado, ou seja, faça análise. (rs). Mas, assim como o colesterol, podemos dizer que existe o masoquismo bom e o ruim. O masoquismo bom é aquela força que temos de passar por cima de nós mesmos para alcançar algo maior. Ou seja, acordar cedo, levar as filhas na escola, começar a trabalhar cedo, se esforçar, ir fazer ação beneficente, dar uma aula. São todas as formas que passamos por cima de um princípio de prazer para nos esforçarmos por algo maior. O masoquismo ruim é aquele em que o sujeito deixa o outro passar repetidamente por cima, sem respeito, sem troca, sem pudor, nem ganho próprio.

Em conclusão: filmes que colocam o sadomasoquismo na relação sexual causam um frisson maior. Porém, o sadomasoquismo está no cotidiano. Está no aqui e agora. E a questão é ver a proporção. Como psicanalista, o que observo é que essa ‘brincadeira’ de extrapolar a dor pode ser instigante, porém perigosa. Mais, mais e mais. Pode levar a uma destruição irreversível. É comum aparecer no jornal pessoas que morreram com asfixia ou instrumentos sexuais suspeitos. Porém, como disse, não somente na sexualidade, esse limite de destruição, masoquismo e sadismo acontece cotidianamente em relações de casal e familiar e as pessoas não percebem.

Podemos assim ir para nosso dramaturgo brasileiro preferido que diz: “ - Ou a mulher é fria ou morde. Sem dentada não há amor possível. Nelson Rodrigues” Aí podemos dizer que o que rola na cama é de interesse apenas do casal, se estão se entendendo, é o que importa. Mas nesta frase está embutida uma outra verdade, de cunho um pouco mais psicológico, que Lacan também fala e que transparece nos 50 tons de cinza. Para existir um casal, há que se pagar um preço. Uma dor existe, se não, tanto faz... pode ser uma mulher ou outra. Existem tantas... O que difere uma da outra? O preço que se está disposto a pagar pelo gozo que se obtém. Os casais dos filmes citados têm um dispêndio enorme de energia psíquica, muita fissura, assim como nas drogas, mas, por outro lado, muita destruição e até distanciamento. Para ter aquilo que desejamos, sempre é preciso pagar um preço alto, algo morde. A diferença é que alguns pagam um preço alto e em consequência encontram satisfações sexuais e  destruição. Outros, com seu modo de gozo, administram os limites do sadismo e do masoquismo e conseguem, além dos prazeres, construção, realização e felicidade. Como psicanalista, acredito que a diferença está ai... 

Por: Fabiana Ratti, psicanalista 

quarta-feira, 23 de outubro de 2019

UNBEWUSSTE


UNBEWUSSTE significa inconsciente em alemão, língua mãe de Freud. UNBEWUSSTE parece uma palavra impronunciável para nós brasileiros. A princípio, ninguém entende, não sabe o que é e nem o que significa. Depois, é só olhar mais uma vez e está escrito: INCONSCIENTE. O logo é uma brincadeira, porque é assim o inconsciente. As manifestações do inconsciente nos fazem interrogações. O que é isso? Por que esse sintoma? Por que fiz esse ato falho nessa situação? Por que tive esse sonho tão estranho? E se fazemos análise, temos acesso ao nosso inconsciente e aos sentimentos e pensamos: AH! Era isso?! Tão óbvio! Estava ali na minha frente! Na minha cara e não tinha visto! O inconsciente está mais visível do que percebemos.  Segundo Lacan, o inconsciente deve ser lido. UNBEWUSSTE. Não tenha medo do seu inconsciente. Não ache que ele é mais inacessível ou incompreensível do que você pensa. Olhe melhor e você irá conseguir ler seu inconsciente. 




UNBEWUSSTE – excelência em saúde mental

UNBEWUSSTE – é uma clínica que oferece atendimento psicanalítico lacaniano. 
A missão da clínica UNBEWUSSTE é deixar a psicanálise e conceitos psicanalíticos acessíveis a um maior número possível de pessoas:
- Atendimento psicanalítico individual
- Atendimento casal e família
- Redes de atendimento clínico por endereços de São Paulo
- Supervisão clínica
- Supervisão institucional
- Debates clínicos
- Debates e palestras
- Desenvolvimento de projetos e montagens de empresas
- Divulgação de conteúdo e conceitos dos psicanalistas Sigmund Freud (1856-1939) e Jacques Lacan (1901-1981).




Le Horla de Maupassant e O Funeral Antecipado de Allan Poe, o medo e o horror na psicanálise


Em homenagem ao Halloween que é comemorado em outubro, vamos falar do que dá medo, do que assusta. Não posso ir pela filmografia porque essa minha coleção é realmente escassa. Acho que os únicos que consegui ver inteiros foram: “O Iluminado” dos anos 1980 e o “Sexto Sentido” dos anos 1990.

Mas autores como Guy de Maupassant, Emile Zola, Edgar Allan Poe, Théophile Gautier sempre rondam as minhas leituras. Um clássico da literatura é Horla, texto de Maupassant em que o sonho e a realidade se misturam. O pesadelo ganha proporções
inimagináveis onde o dentro e o fora se misturam, mostrando que não há uma fronteira entre o mundo externo e o interno. Desta forma, consequências graves acontecem chamando atenção para a seriedade de cuidar do aparelho psíquico.

Por seu lado, Allan Poe é um mestre. Tem inúmeros contos. Fantasmas, mortos, gatos assombrosos. Allan Poe brinca com o impensável, o irrepresentável, o que não poderia acontecer mas, quem sabe... O aparelho psíquico é assim. Ele vive criando alusões e fantasias de situações inimagináveis. Por outro lado, a vida apresenta, muitas vezes, tristes realidades que coloca o sujeito frente ao vazio da morte, da solidão, do que Lacan chama de o “impensável a espera de se inscrever”. Leva um tempo para ‘cair a ficha’, para a pessoa explicar e encontrar representações do horror que se abateu: uma traição, uma separação, uma morte, uma demissão inesperada.

É disso que o ser humano tem medo. Medo do medo. Medo do horror, da perda, da castração, do inesperado. Assistir aos filmes, ler contos e romances sobre o assunto instigam o aparelho psíquico a trabalhar. É como as crianças que brincam para elaborar seus pensamentos. Enquanto os monstros estão nas telas ou nas páginas dos livros, eles estão longe, separados, no mundo da ficção e assim, o ser humano pode entrar em contato com o que há de pior via sentimento e pensamento, longe da concretude da vida. 

Um dos contos de Allan Poe de que mais gosto é O Funeral antecipado. É a história de uma moça que é enterrada viva. Impensável. Horror do horror. Mas não somente ela consegue escapar de seu túmulo, como consegue reconstruir a vida casando-se com outro, pois em sua primeira vida, era infeliz no casamento. Como na época não havia divórcio, seria impossível se separar para reconstruir sua vida, porém, como havia sido enterrada viva por seu marido, tinha o atestado de óbito, assim, pode casar-se novamente com o amor de sua vida!!!

Contos fantásticos que misturam horror, medo, ilusão, sonhos impensáveis e humor negro dão o tom dessa brincadeira com chapéus de bruxas e cabeças de abóbora! Uns dias para brindar o impensável que existe em nós.   

Por: Fabiana Ratti, psicanalista

terça-feira, 1 de outubro de 2019

A Casa Torta e a construção de um Psicopata


A Casa Torta (2017) é um filme britânico de mistério, baseado no livro (1949) homônimo de Agatha Christie, que faz jus ao legado da Dama do Crime. O filme é muito bem interpretado por atores de peso e bem dirigido por Gilles Paquet-Brenne.

Casa Torta porque é uma grande casa que foi sendo construída ao longo do tempo e cada ala abriga uma parte da família, além disso, há uma brincadeira de Agatha Christie de que é uma família torta que nela habita.

A Casa pertence a Aristide Leonides, um grego que se mudou para a Inglaterra e fez fortuna; uma parte com o próprio trabalho e a outra com negócios ilícitos que são investigados ao longo do filme. Aristide Leonides é assassinado no começo por uma injeção que deveria conter insulina, mas continha veneno letal. Quem aplicou foi sua segunda esposa 50 anos mais nova. A primeira já havia falecido. Ela sabia de seu conteúdo? Seria ela a assassina?
Muito óbvio para ser um livro da Dama do Crime.

Sophia, a neta de 25 anos chama seu affair para investigar o crime, filho do Inspetor Chefe da Scotland Yard. Charles Hayward chega na casa taciturna e tenta falar com as pessoas, mas é em vão. Encontra a esposa 50 anos mais velha namorando o professor das crianças, a cunhada de Leônidas caçando no jardim, os dois filhos de Leonides com suas respectivas esposas, os 3 netos: Sophia, Eustace e Josefine, e a babá. Cada um numa ala da mansão, cada um com suas esquisitices e narcisismos envoltos em si próprios. Um dos irmãos reclama que agora, aos 55 anos estaria órfão e não saberia o que fazer... Retrata bem a morosidade, a letargia, a inércia em que a família se encontrava vivendo sugando o dinheiro do patriarca da família. A única tagarela era Josefine, neta de uns 10, 12 anos que andava pela casa com um caderno e observava a todos, dizia-se invisível, ninguém a via ou falava com ela.

Hayward é bem tenaz. Ele insiste, se esforça e tenta romper o silêncio, mas o único eco que encontra é a voz de Josefine. Agatha Christie lia Freud. Eram contemporâneos e em alguns livros ela cita a importância de interpretar os sonhos e de ver o lado psicológico das pessoas e das relações. Nesse ela faz o quadro perfeito da criação de um psicopata. Ela mostra o quanto a criança é um espelho da família, o quanto delata pontos que a família não está conseguindo ver ou colocar em palavras. A frieza, o descaso que o psicopata tem pelo outro e pela vida, o raciocínio intacto desprovido de emoções. Numa casa em que cada um olha para si mesmo, não há como criar um ser desejante. Para dar vida a um sujeito, não adianta apenas o biológico ou intelectual: os cuidados com sono, alimentação e estudo. É preciso muito mais. É preciso desejar aquele ser, é preciso ouvi-lo, escutá-lo. O olhar do outro sobre o sujeito é fundamental para a construção de seu aparelho psíquico, para que assim surja um sujeito desejante.

Agatha Christie, diferentemente de outros livros, deixa o assassino bem visível, facilmente perceptível se não tivermos horror da verdade. A escritora mostra como é possível a construção de um ser vazio, desprovido de emoções, que mata a sangue frio, típico do psicopata. O diretor, captando o espírito, narra de forma sublime através da sétima arte.

Por: Fabiana Ratti, psicanalista. 


quarta-feira, 25 de setembro de 2019

Laços e as relações de amizade na psicanálise



Laços (2019) é um filme brasileiro de aventura produzido pela Maurício de Souza Produções, com a turma da Mônica protagonizando o elenco: Mônica, Magali, Cascão e Cebolinha, a revistinha foi para as telas e o filme é muito legal! Agrada a adultos e crianças. O roteiro é bem construído e gira em torno do sumiço de floquinho. A turma sai à procura do querido cão de Cebolinha numa grande aventura mesclando humor, desafio, perigo, frio na barriga, inclusão das diferenças e sobretudo, companheirismo.  

A começar pelo título, é bem atual e sugestivo. Laços afetivos é um dos temas top 10 de saúde mental do século XXI. Num mundo em que tudo é “trach”, descartável e jogado fora, Maurício de Souza consegue formar uma turma amiga, solidária, generosa incluindo as dificuldades individuais. Nenhum deles foi o melhor ou o campeão, mas todos suplantaram suas dificuldades singulares e utilizaram-se de seu potencial pelo bem comum de encontrar o cão e participar da aventura.

No Seminário 17 (1968-1969), Lacan discute os discursos que fazem laços e possibilitam as relações afetivas; os estudos, os amores, as relações em que ao se endereçar ao outro possibilitam construção e engajamento. Mais tarde em sua obra, questiona a forma como a sociedade vem se construindo com o consumismo e relações capitalistas que descartam as pessoas e as tratam como lixos descartáveis.

Turma assim de Laços não é tão fácil de encontrar! Muitas vezes, a pessoa, egoicamente, quer a honra somente para ela e não sabe trabalhar em equipe, não consegue dividir as qualidades ou elogiar os colegas a sua volta. Outras vezes, as dificuldades são ridicularizadas e zombadas pelos amigos. Ali não. Cada qual tinha sua qualidade e seu defeito, compartilhado e respeitado. Além da aventura, as crianças dialogavam, faziam estratégias, dividiam as incertezas.

Um dos pontos que na minha infância me fazia não ler as Revistas da Mônica era o grau de briga que existia. Para tudo eles brigavam, um provocava o outro e ainda terminava com as ‘coelhadas’ de Mônica sobre o Cebolinha, como se fosse glorioso. Isso, realmente, nunca gostei.

Uma coisa é conversar, discutir, discordar. Outra coisa é ficar atritando e partir para a força física. Se existe uma campanha para os homens deixarem de baterem nas mulheres, como aplaudir uma personagem que ganha pela força física machucando uma outra pessoa? Não gostava muito de ler, mas entendo o sucesso da vingança atingir os corações das leitoras contra o malvado vilão Cebolinha que ficava provocando a mocinha.

Porém, no filme, Maurício de Souza consegue apresentar um outro viés em que não é preciso, nem ficar no atrito e nem partir para a força física, excelente solução! Vale a pena ser visto, principalmente porque os personagens esbanjam afeto: amor e amizade borbulham entre eles, coisa rara nos dias de hoje que parece ser “chique” não gostar e não se preocupar com o outro. Assistam, de preferência em família ou com amigos!

Por: Fabiana Ratti, psicanalista 

terça-feira, 17 de setembro de 2019

O engodo do olhar


Ao longo de seu trabalho, Lacan foi se dando conta da importância e função do olhar. A maneira com que o sujeito olha para determinadas situações altera a forma como o sujeito irá agir e se posicionar, altera a responsabilidade e a vida da pessoa. 


Lacan, no Seminário 11, discute a técnica da anamorfose. Como um objeto ou cena podem ter uma distorção das formas, dependendo de como se olha. Dependendo do ângulo que o objeto é olhado ele toma formas distorcidas ou até irreconhecíveis. 

Lacan utiliza-se da tela Embaixadores de Hans Holbein (1497-1543), onde podemos ver um objeto estranho no primeiro plano, mas se observarmos melhor,
 reconhecemos um crânio. Num momento em que a época das navegações estava em alta... vemos o globo, a bússola e o crânio. Segundo Lacan, “o olhar muda todas as perspectivas, as linhas de força, de um mundo...” O exercício de olhar, como olhar, por que olhar, é o exercício da psicanálise. O quanto é possível se enganar ao olhar algo, imaginar, pensar, ver em outra perspectiva... 


Há um “uso invertido da perspectiva na estrutura da anamorfose.” que faz um engano nos olhos. Em francês, um “trompe l’oil”, técnica de pintura com truques de perspectiva que cria ilusões de ótica.  

Na mesma época de Holbein, temos o pintor Italiano Arcimboldo (1527-1593), que com imagens da natureza: animais, frutas, verduras e flores, pela primeira vez, cria fisionomias humanas causando um “engano nos olhos”.    

Entre os modernistas, temos o pintor espanhol Pere Borrell del Caso (1835-1910) Escaping Criticism por “esse quadro não é nada mais do que é todo quadro, uma armadilha do olhar.” Lacan. 





Além do pintor espanhol  surrealista Salvador Dali (1904-1989) e o artista gráfico holandês Maurits Escher  (1898-1972), excelentes “enganadores”... 






Entre os contemporâneos, temos Banksy, Kurt Wenner, Edgar Müller, Tracy Lee Stum, Oleg Shupliak, artistas que trabalham com Chalk art, criam desenhos tridimensionais com giz e se utilizam da técnica de projeção conhecida como anamorfose. Esta técnica cria uma ilusão de ótica 3D quando a imagem é vista a partir de determinado ângulo.



Assim como a arte pode utilizar recursos da técnica de anamorfose, o aparelho psíquico, seguindo o desejo, também pode ver transformações, distorções, recombinações, aumento de complexidade e fusões de imagens seguindo desejos, paixões, invejas, ciúmes. Segundo Lacan: “esse privilégio do olhar está na função do desejo.”

Por: Fabiana Ratti, psicanalista 

segunda-feira, 16 de setembro de 2019

A busca pelo nome próprio - Lacan


A excomunhão é o termo dado por Lacan para uma das grandes viradas de sua vida profissional. Com suas ideias ousadas, sua capacidade de capturar o inconsciente do sujeito e sua articulação intelectual, Lacan não se encaixou nos moldes da IPA (Instituto formado por Freud em 1910 e coordenado pelos pós freudianos), não concordava em manter o modelo único, ideal e burocrático de prática de formação.

Incluir o inconsciente numa sociedade que prima pelo racional, pelas ciências e tecnologias não é uma tarefa fácil... Há uma tendência a excluir o caos atemporal em que o inconsciente se localiza e tentar explicar tudo pelo convencional.

No Seminário XI (1964), Lacan inicia falando sobre a excomunhão. Ele precisou se posicionar em relação ao seu pertencimento ou não numa comunidade de psicanalistas. Assim, Lacan assume a sua ruptura com o que estava estabelecido, faz um ato de corte com a mesmice dos pós freudianos, com a repetição que aliena o desejo. Pensar fora do que o Outro comprova como bom e certo, como o esperado, com o que já foi visto e com o que já foi aprovado pelo pai é sempre uma arte. Uma arte e, como toda arte, não se captura pela compreensão racional. É um modo de ser, um saber fazer, explica Lacan.

Em outros documentos podemos ver que Lacan demorou 2 anos para fazer essa ruptura, que ele ficou sendo avaliado e interrogado por outros profissionais por longos e tenebrosos anos. Dessa forma, podemos ver que nem para Lacan foi fácil abrir mão desse Outro que aprova e que comprova sua validade, essa comunidade de colegas que carimba sua beatitude (palavra usada por Schreber, clássico paciente de Freud) ou sua incompletude.  

Porém, foi ao abrir mão, fazer o corte e parar de responder ao Outro da certeza que Lacan pode ser realmente LACAN. A clínica comprova seus efeitos. Não é preciso o outro aplaudir, bajular, comprovar egoicamente sua posição. A clínica responde a seus atos e isso basta. Ir pela lógica do inconsciente, abrir mão de ego, de ser compreendido pela ordem da razão e de “ser amado”, é um dos passos para uma grande guinada pessoal e profissional. 

Em Psicologia das massas e análise do eu (1991), Freud discute a capacidade psicológica do líder em mover as massas para fazer de uma pessoa execrável (como Hitler) se tornar uma pessoa aclamada a ponto de toda a população executar tarefas atrozes como puras marionetes de um senhor. Da mesma forma, os lideres podem execrar e expulsar pessoas com o simples poder de identificação e manipulação das massas.   

Ser psicanalista é batalhar para que a psicanálise sobreviva numa sociedade de massas, na qual todos são livres, mas a liberdade não garante que se saiba como sustentar a pura diferença, perto de Outros que já disseram o que fazer e qual é o caminho “certo” a seguir. A partir do desejo de analista, Lacan se posicionou em sua pura diferença. Mesmo o narcisismo sendo constitutivo do aparelho psíquico, é dele que é preciso se livrar ao bancar o desejo em nome próprio e assim marcar a pura diferença. Esse é o trabalho da análise. Abrir mão da ilusão de encontrar garantias e não fazer acordo com a mesmice compactuada pelas massas é o caminho para o nome próprio.

Minha homenagem àqueles que romperam a mesmice em busca do Nome Próprio!

Por: Fabiana Ratti, psicanalista 

quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Rapunzel e o sentimento de posse


Rapunzel é um conto de fada que tem origem na Alemanha e se popularizou ao longo dos anos. Narra a história da bruxa má que resgata a bebê e a coloca numa torre.  Anos se passam até que na adolescência, um príncipe descobre e começa a frequentar a torre utilizando as tranças de Rapunzel, causando raiva na bruxa e a luta da menina por sua liberdade.


Dessa forma, é uma história de possessão de uma pessoa sobre outra. A bruxa não queria a menina como sua companhia ou para cuidar dela. Queria apenas possui-la como um objeto que se compra, que se tem. Muito comum entre os familiares que escondem os filhos embaixo das asas e possessivamente não os deixam sair, passear, ter suas próprias experiências e crescer. Os contos de fada discutem temas preciosos da natureza humana.

Em Enrolados, filme da Disney que narra a história de Rapunzel, fica evidente mais um ponto. Quando os filhos crescem e a juventude aflora, mostra, automaticamente a seus pais, que a idade chegou e muitas vezes, a beleza e a juventude foi embora. Agora é o momento deles. O encontro dos filhos com a sexualidade, o namoro e o casamento afloram ainda mais esse sentimento. Desta forma, não é incomum, pais e mães boicotarem namoros e encontros com esse sentimento. Os filhos ficando em casa, não saindo, não se casando, causam, imaginariamente nos pais, uma construção de que as coisas continuam iguais e ‘ninguém está envelhecendo’. Em Enrolados, manter Rapunzel na torre é “garantia” de beleza e juventude para a bruxa.

Em Análise terminável ou interminável (1937), Freud, no final de sua obra, se interroga a respeito do objetivo de uma análise e quando podemos declarar o término dela. Entre questionamentos coloca que o objetivo da análise é tratar o ego. Com o ego muito grande, não vemos o outro. Para Lacan, na década de 1970, a análise, além do trabalho com o ego, engloba realização de projetos pessoais e construção de laços afetivos. 

Neste sentido, a psicanálise é bem interessante para os pais verem os filhos com outros olhos. Conseguirem diminuir o ego e ver para além dele. Verem os filhos como uma pessoa separada, que têm suas ideias e vontades próprias. Além disso, é bacana que os pais consigam encontrar novos objetivos de vida e fazerem novos laços sociais quando os filhos estão saindo do ninho, estão começando a voar. Poderem pensar que uma nova vida se inicia também para eles. Hoje, com esportes e tantos recursos médicos, odontológicos, nutricionais e estéticos, aos 50, 60 anos, é possível estar em forma, começando uma nova vida, uma nova profissão e, quem sabe, um novo casamento. Ou seja, não é segurando a vida de uma pessoa que garantimos a plenitude e a juventude do outro. Isso é uma ilusão, um pensamento imaginário. Assim como a ideia de ficar solteiro para “garantir” a juventude. A vida passa para todos. A idade chega para todos. O importante é que no caminho consigamos ter construções, realizações e pessoas queridas à volta. Pessoas que queiram ficar ao nosso lado sem precisarmos amarrar ninguém na torre.  

Por: Fabiana Ratti, psicanalista

quinta-feira, 5 de setembro de 2019

A Bela adormecida e a paralisia frente a determinadas situações da vida




O clássico conto de fadas A Bela adormecida mostra uma princesa que recebe uma maldição e aos 15 anos fura o dedo em um fuso e cai adormecida até que o príncipe apareça.

Belas e belos adormecidos aparecem aos montes no divã. Em muitos momentos, como analista, sinto: “mais um(a) bela(o) adormecida(o)”, ou seja, mais uma pessoa que deixou passar tanto tempo para mexer numa situação que estava incomodando. É muito comum a pessoa ficar inerte em sua pulsão de morte. Ficar presa numa bolha e não conseguir dar um passo. Como Aurora. Paralisada em sua cama esperando uma outra pessoa fazer algo.  E assim, passam-se anos... 

Quando a pessoa decide ver, é um choque. A pessoa fica estarrecida de como aceitou tal situação, como não tomou atitude, como ficou na posição de objeto não se manifestando.  Todos passam por isso. É impossível estar atento a tudo, ver tudo e se posicionar para tudo. Não há quem não tenha passado por uma análise e nunca tenha sentido: “Como deixei passar tanto tempo? Como não me posicionei nessa situação?” E mesmo quando a pessoa começa a ver, vai um tempo até compreender, ‘cair a ficha’, abstrair e concluir para tomar uma atitude sábia e interessante para ela.

Também podemos dizer que o sangramento e o começo do sono profundo têm a ver com a fase da adolescência. O fim da infância e uma passagem para a vida adulta, momento em que Aurora desperta uma mulher preparada para a vida ao lado do príncipe. Nessa fase, mesmo sendo bastante agitada, nada dormente, é uma fase em que, muitas vezes, na análise, a pessoa não se reconhece. A pessoa ainda está formando sua personalidade, faz coisas que depois se arrepende, age por impulsividade. E então, mais pra frente, se define, se nomeia, desperta para a vida.

Independente da adolescência ou não. É muito comum ficarmos dormentes para determinadas situações que nos incomodam e não queremos mexer. Não querermos pagar o preço da visão, encarar os problemas de frente... e assim, como a bela adormecida, repousamos felizes e dormentes por anos...até que um dia, é preciso lidar com as consequências dessa paralisia.   

Por: Fabiana Ratti, psicanalista   

quarta-feira, 21 de agosto de 2019

A Bela, a fera e a sabedoria



Voltando aos contos de fada... A Bela e a Fera é a de que eu mais gosto! Bela tem origem francesa e faz um brinde à leitura, à inteligência e à sabedoria como nenhuma outra! Bela não é princesa, é filha de um artesão inventor, mora numa casa simples de um vilarejo e também perdeu a mãe, dessa forma, precisa cuidar de seu pai.

Bela adora ler, frequenta bibliotecas e tem uma sabedoria para além da inteligência racional. Bela não escorrega no maior deslize que o ser humano faz ao falarmos sobre amor, ir pelo imaginário... Quando se trata de amor, é muito comum o ser humano ir pelo imaginário. Ir pela beleza exterior, pelas falas sedutoras, pelas promessas de plenitude, pelo dinheiro. O imaginário se sobrepuja e engolfa o simbólico e o intelecto. A pessoa, muitas vezes, fica à mercê do outro, sem conseguir raciocinar ou se posicionar. Na clínica, podemos observar o quanto a pessoa, na fase da conquista e do namoro, já havia notado evidências de arrogância, narcisismo e egoísmo; ou qualquer outra característica que possa não ser bacana para um relacionamento a dois. Porém, a pessoa, ofuscada num véu imaginário, vê apenas o que gostaria, ou o que sua fantasia lhe permite. Depois, com o tempo, a pessoa começa a perceber que não foi a melhor escolha para si. 

Bela não se equivoca com Gastão. Bonitão e galanteador, Gastão aparece em várias situações tentando seduzi-la. Mas Bela não se ofusca com a beleza, as posses ou com as falas vazias de Gastão. 

Bela usa sua sabedoria para enfrentar os perigos da floresta, para arquitetar um meio de salvar o pai; canaliza sua energia psíquica para direções mais construtivas e proveitosas em sua vida. E assim, escolhe o amor com o coração e não com a fantasia de um véu imaginário.

Por: Fabiana Ratti, psicanalista   

terça-feira, 6 de agosto de 2019

Como eu era antes de você e o desejo de viver


Como eu era antes de você (2016) é um drama sobre um rapaz rico que após um acidente fica tetraplégico e deseja fazer eutanásia tirando sua vida. O filme é uma parceria Inglaterra – EUA, muito 
bem dirigido por Thea Sharrock e baseado no romance homônimo de Jojo Moies, segundo a autora, inspirado em fatos reais.

É um filme bonito, sensível, com toques de humor, discute questões profundas de relacionamento e desejo de viver, porém, comete um erro crasso que o coloca com uma visão anterior a Freud, ele está há pelo menos 100 anos atrás de seu tempo.

Antes de ler à critica assista ao filme pois é impossível discutir os pontos sem tocar em como o filme termina.

Vamos começar pelas excelentes interpretações. Louise (Emilia Clarke), uma moça fofa que usa roupas excêntricas e tenta sempre estar feliz, vive com sua família em uma pequena cidade da Inglaterra. Porém, suas aptidões, podemos dizer, são o que Fernando Pessoa descreve em A Tabacaria: Não sou nada/ Nunca serei nada/ Não posso querer ser nada / À parte isso, tenho todos os sonhos do mundo. Assim, quando sai de seu trabalho e tenta buscar um novo emprego, sua vida passa a ser difícil.

Por outro lado, temos Will (Sam Claflin), um moço rico, bonito, que tinha um mundo a seus pés, mas foi avassalado pelo Real sofrendo um terrível acidente. Ficou tetraplégico, com todas as tristes consequências que isso implica e, dessa forma, abalando sua estrutura emocional.  Assim, ninguém consegue conviver com ele. Família, amigos ou mesmo acompanhantes.

Então, temos um desafio para Louise. Sem um CV brilhante exigido no século XXI, acompanhante poderia ser uma excelente saída para Louise que precisa sobreviver e ajudar a sustentar sua família. Depois de alguma luta, Louise consegue ultrapassar o desafio como também ter um romance com Will, o que é esperado mas também não tira o seu charme, principalmente fazendo o contraponto com seu namorado atleta que tem todas as mobilidades musculares e ósseas possíveis, mas não tem visão ou um coração tão doce quanto Will passa a demonstrar.

Ok. Até então temos um filme Hollywoodiano bonito e com um roteiro esperado.

Nesse momento, mesmo com Louise em sua vida, um pouco mais bem-humorado, conseguindo ir a programas, conviver com pessoas, Will continua com os planos de fazer eutanásia e tirar sua vida num dia pré-agendado.  Então temos o cerne da história. Louise fica bem triste porque não consegue devolver-lhe o desejo de viver e assim pensa com sua irmã um último estratagema de fazê-lo ligar-se à vida. E então vem o grande equívoco. Elas apostam no princípio do prazer. Elas acreditam que festas, viagens, passeios, segurariam a vida de alguma pessoa. Seria o mesmo que dizer que dinheiro compra a felicidade. Se esse é realmente um caso real, com certeza não deu certo e não teria como dar. Em 1920 Freud escreveu que existe um Além do princípio do prazer. Há algo a mais. Há algo que extrapola o prazer e que faz questão ao sujeito ligando-o à vida.



Em uma situação em que eu atendia uma criança com câncer em estado terminal (ela veio a falecer 15 dias depois), uma voluntária chegou para ela para ofertar-lhe coisas prazerosas como doces, balas e passeio. Ela recusou e disse que queria fazer contas de matemática. A voluntária ficou escandalizada e disse que ela deveria descansar, que ela não ‘precisava’ fazer essas coisas, que deveria fazer coisas legais e ela voltou a falar de seu desejo: quero fazer conta de matemática. Stephen Hawking que o diga!

Então, é muito interessante como a sociedade ainda não absorveu os conceitos preciosos de Freud. O sujeito é singular. Não é universal. Ou seja, é legal viajar, passear, festejar. Sim. A maioria das pessoas gosta. Mas, não é isso que segura o desejo de viver. Não é isso que faz o sujeito querer continuar vivendo. Se fosse assim, plaboys que vivem de festas não usariam drogas e sairiam desgovernados atropelando pessoas e capotando carros, por exemplo.

Ela, na convivência com ele, não apenas passou a amá-lo como também descobriu algo que ela sabia fazer muito bem. Ela encontrou um talento. Ela saiu da posição de Álvaro de Campos da Tabacaria: “serei sempre o que não nasceu para isso/ serei sempre só o que tinha qualidades/ Serei sempre o que esperou que lhe abrissem a porta ao pé de uma parede sem porta.” Ela saiu dessa posição e mudou sua posição subjetiva frente à vida.

Ao que parece, a vida dele ficou melhor, sim, sem dúvida. O amor é um passo? É um grande passo! Mas eles acreditaram que bastava ele receber coisas que o deixaria feliz e o ligaria à vida. E não basta. E nem sempre é a felicidade que liga o sujeito à vida. O ser humano precisa de outras coisas. Precisa  ofertar. Precisa se sentir útil ao outro, se sentir especial em suas qualidades na ligação com o outro para ter um propósito de vida e desejar viver.

O filme é bonito mas perde a chance de pensar na subjetividade singular de cada um que liga o sujeito à vida e impacta o expectador com a questão de eutanásia e suicídio programado... pena, porque a questão é anterior a isso.



Por: Fabiana Ratti, psicanalista