A excomunhão é o termo dado por
Lacan para uma das grandes viradas de sua vida profissional. Com suas ideias
ousadas, sua capacidade de capturar o inconsciente do sujeito e sua articulação
intelectual, Lacan não se encaixou nos moldes da IPA (Instituto formado por
Freud em 1910 e coordenado pelos pós freudianos), não concordava em manter o
modelo único, ideal e burocrático de prática de formação.
Incluir o inconsciente numa
sociedade que prima pelo racional, pelas ciências e tecnologias não é uma
tarefa fácil... Há uma tendência a excluir o caos atemporal em que o
inconsciente se localiza e tentar explicar tudo pelo convencional.
No Seminário XI (1964), Lacan
inicia falando sobre a excomunhão. Ele precisou se posicionar em relação ao seu
pertencimento ou não numa comunidade de psicanalistas. Assim, Lacan assume a
sua ruptura com o que estava estabelecido, faz um ato de corte com a mesmice
dos pós freudianos, com a repetição que aliena o desejo. Pensar fora do que o
Outro comprova como bom e certo, como o esperado, com o que já foi visto e com
o que já foi aprovado pelo pai é sempre uma arte. Uma arte e, como toda arte,
não se captura pela compreensão racional. É um modo de ser, um saber fazer, explica
Lacan.
Em outros documentos podemos ver
que Lacan demorou 2 anos para fazer essa ruptura, que ele ficou sendo avaliado
e interrogado por outros profissionais por longos e tenebrosos anos. Dessa
forma, podemos ver que nem para Lacan foi fácil abrir mão desse Outro que
aprova e que comprova sua validade, essa comunidade de colegas que carimba sua
beatitude (palavra usada por Schreber, clássico paciente de Freud) ou sua
incompletude.
Porém, foi ao abrir mão, fazer o
corte e parar de responder ao Outro da certeza que Lacan pode ser realmente
LACAN. A clínica comprova seus efeitos. Não é preciso o outro aplaudir,
bajular, comprovar egoicamente sua posição. A clínica responde a seus atos e
isso basta. Ir pela lógica do inconsciente, abrir mão de ego, de ser
compreendido pela ordem da razão e de “ser amado”, é um dos passos para uma
grande guinada pessoal e profissional.
Em Psicologia das massas e análise
do eu (1991), Freud discute a capacidade psicológica do líder em mover as massas
para fazer de uma pessoa execrável (como Hitler) se tornar uma pessoa aclamada
a ponto de toda a população executar tarefas atrozes como puras marionetes de
um senhor. Da mesma forma, os lideres podem execrar e expulsar pessoas com o simples
poder de identificação e manipulação das massas.
Ser psicanalista é batalhar para
que a psicanálise sobreviva numa sociedade de massas, na qual todos são livres,
mas a liberdade não garante que se saiba como sustentar a pura diferença, perto
de Outros que já disseram o que fazer e qual é o caminho “certo” a seguir. A partir
do desejo de analista, Lacan se posicionou em sua pura diferença. Mesmo o
narcisismo sendo constitutivo do aparelho psíquico, é dele que é preciso se livrar
ao bancar o desejo em nome próprio e assim marcar a pura diferença. Esse é o
trabalho da análise. Abrir mão da ilusão de encontrar garantias e não fazer
acordo com a mesmice compactuada pelas massas é o caminho para o nome próprio.
Minha homenagem
àqueles que romperam a mesmice em busca do Nome Próprio!
Por: Fabiana Ratti, psicanalista
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