segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Ser ou não ser psicanalista?

 

Quando um líder de um grupo usa de seu poder para determinar que toda uma classe deve votar numa


mesma pessoa ele está usando de abuso de poder, coerção e rebaixando intelectualmente seus colegas.

Se para participar do grupo dos psicanalistas precisamos ser idênticos, pensar exatamente igual e tomar atitudes semelhantes, ficar apenas no nível da identificação e não passamos para uma relação de objeto...

Construímos uma sociedade narcisista, ditatorial, massificada pelo senso comum ao invés de incentivar uma sociedade pensante, formada por sujeitos que decidem, escolhem e respeitam, de fato, as diferenças.

Sair da identificação para a relação de objeto...

Sair da demanda do Outro para a decisão de sujeito...

Sair do ‘ser amado’ pelo grupo para uma escolha pessoal...

Não é uma tarefa fácil...

Mas é o compromisso inalienável do psicanalista!

Por: Fabiana Ratti, psicanalista

 


 

Psicologia das massas e análise do eu – Freud

A relação de objeto – Seminário IV de Lacan

A ética da psicanálise – Seminário VII de Lacan

quarta-feira, 4 de novembro de 2020

Síndrome de Cabana

 

O psicanalista Jacques Lacan (1901-1981) dizia que frente ao Real, face a uma situação inusitada, traumática, a pessoa tem algumas possibilidade: sentar e chorar, fugir, ficar paralisada e em choque,  manifestar sintomas psicossomáticos, agredir o outro  ou pode respirar, pensar e reagir.  Essa última não é uma tarefa fácil! Mas a psicanálise lacaniana trabalha exatamente com a ideia de que é preciso “saber-fazer” a vida! Assim como Jackson com seu canal PAN (PAN#24 @jacksonaraujo), bem como muitas outras pessoas em diversas áreas... a grande questão que se impôs hoje em dia é saber se “reinventar”. 

A vida apresenta muitos dissabores, situações inesperadas, frustrações que provocam mágoas e desilusões que vão tendo consequência ao longo da vida. A pandemia foi algo muito inesperado. Foi um ‘puxão de tapetes’ para muita gente. As pessoas estavam indo numa direção até então tida como “normal” e com o lockdown mundial o mundo todo precisou se adaptar e criar, construir novos recursos numa vida totalmente inesperada. Isso foi um susto e o aparelho psíquico tem um outro timing. Lacan fala em tempo lógico, um tempo do inconsciente, a conhecida frase: uma hora de um beijo pode parecer um segundo e um segundo numa chapa quente, pode parecer uma hora. Às vezes lembramos vividamente algo que nos aconteceu na infância e não lembramos o que comemos no almoço. Ou seja, o tempo emocional é diferente do tempo cronológico, o aparelho psíquico tem outra dimensão. Tudo isso para dizer que as pessoas tomaram um choque, um susto, e cada um tem um tempo e um modo para reagir.   

O primeiro ponto importante a considerar é o que vem sendo chamado de Síndrome de Cabana, que é esse tempo do inconsciente. A pessoa levou a lambada, mas não está conseguindo reagir, processar, raciocinar este novo momento. Ela está anestesiada e então fica com medo de tudo, fica refém dos acontecimentos e não ‘agente’ de sua própria vida. Um segundo ponto é a pessoa que teve perdas irreparáveis com a pandemia. Perdeu vidas, emprego, moradia. Essa pessoa tem a real noção da perda e tem a sensação de que ela pode devastar ainda mais a sua vida. Isso a paralisa, não conseguindo executar tarefas comuns e sair de casa normalmente como antes acontecia. Outras pessoas, mesmo sem terem tido perdas concretas, apresentam esse sintoma e têm a noção de que coisas muito ruins podem acontecer a qualquer momento.

Em todas essas situações se faz muito importante o acompanhamento médico e psicanalítico. A vida é cheia de situações inesperadas e de risco, e o ideal é trabalhar o lado emocional, se fortalecer para conseguir enfrentar a vida e o que ela naturalmente carrega de “riscos”.

Há outras situações que eu não nomearia como ‘síndrome”, porque não é uma doença, não é patológico, mas que podemos dizer que é uma ‘vida de cabana’. Como psicanalista, em casos clínicos, percebo que muitas pessoas descobriram seus próprios lares e aproveitaram esse tempo para descobrirem a si mesmo. Então, tenho ouvido no divã de  algumas pessoas que apesar das incertezas e, claro, insegurança diante do “novo normal”, conseguiram se aceitar, se auto afirmar, tiveram forças para planos e mudanças. Mulheres assumiram cabelos brancos e sentiram-se bonitas, de cabeça erguida. Abandonar a vida na cidade que representava muito stress e tentar a vida mais simples, algumas migrando para o campo e até mesmo aproveitar para  resolver e “limpar” problemas de relacionamento familiar, olhar para seus sistemas familiares.

Essa pandemia colocou um espelho gigante em frente a cada uma das pessoas, as prendeu em casa e as interrogou a respeito de trabalho, amores, moradia, consumismo. O aparelho psíquico precisa ser exercitado, precisa refletir, precisa de oxigênio para ter força emocional e sobreviver aos galeios e tsunamis que a vida apresenta. Somente assim é possível responder ao trauma de forma criativa e construtiva. Testemunho muitas pessoas olhando para si, querendo construir e se fortalecer internamente. Isso é muito possível e saudável. Deixar uma vida ‘eufórica’, de saídas e baladas incessantes para uma internalização e um reencontro consigo mesmo, levando, desta forma, uma vida mais intimista... uma “vida de cabana”.

Por Fabiana Ratti – psicanalista 

Primeiramente publicado no PAN#24 @jacksonaraujo