O psicanalista Jacques
Lacan (1901-1981) dizia que frente ao Real, face a uma situação inusitada,
traumática, a pessoa tem algumas possibilidade: sentar e chorar, fugir, ficar
paralisada e em choque, manifestar
sintomas psicossomáticos, agredir o outro ou pode respirar, pensar e reagir. Essa última não é uma tarefa fácil! Mas a
psicanálise lacaniana trabalha exatamente com a ideia de que é preciso
“saber-fazer” a vida! Assim como Jackson com seu canal PAN (PAN#24 @jacksonaraujo),
bem como muitas outras pessoas em diversas áreas... a grande questão que se
impôs hoje em dia é saber se “reinventar”.
A vida apresenta muitos
dissabores, situações inesperadas, frustrações que provocam mágoas e desilusões
que vão tendo consequência ao longo da vida. A pandemia foi algo muito
inesperado. Foi um ‘puxão de tapetes’ para muita gente. As pessoas estavam indo
numa direção até então tida como “normal” e com o lockdown mundial o
mundo todo precisou se adaptar e criar, construir novos recursos numa vida
totalmente inesperada. Isso foi um susto e o aparelho psíquico tem um outro timing.
Lacan fala em tempo lógico, um tempo do inconsciente, a conhecida frase: uma
hora de um beijo pode parecer um segundo e um segundo numa chapa quente, pode
parecer uma hora. Às vezes lembramos vividamente algo que nos aconteceu na
infância e não lembramos o que comemos no almoço. Ou seja, o tempo emocional é diferente
do tempo cronológico, o aparelho psíquico tem outra dimensão. Tudo isso para
dizer que as pessoas tomaram um choque, um susto, e cada um tem um tempo e um
modo para reagir.
O primeiro ponto
importante a considerar é o que vem sendo chamado de Síndrome de Cabana,
que é esse tempo do inconsciente. A pessoa levou a lambada, mas não está
conseguindo reagir, processar, raciocinar este novo momento. Ela está
anestesiada e então fica com medo de tudo, fica refém dos acontecimentos e não
‘agente’ de sua própria vida. Um segundo ponto é a pessoa que teve perdas
irreparáveis com a pandemia. Perdeu vidas, emprego, moradia. Essa pessoa tem a
real noção da perda e tem a sensação de que ela pode devastar ainda mais a sua
vida. Isso a paralisa, não conseguindo executar tarefas comuns e sair de casa
normalmente como antes acontecia. Outras pessoas, mesmo sem terem tido perdas
concretas, apresentam esse sintoma e têm a noção de que coisas muito ruins
podem acontecer a qualquer momento.
Em todas essas situações
se faz muito importante o acompanhamento médico e psicanalítico. A vida é cheia
de situações inesperadas e de risco, e o ideal é trabalhar o lado emocional, se
fortalecer para conseguir enfrentar a vida e o que ela naturalmente carrega de
“riscos”.
Há outras situações que
eu não nomearia como ‘síndrome”, porque não é uma doença, não é patológico, mas
que podemos dizer que é uma ‘vida de cabana’. Como psicanalista, em
casos clínicos, percebo que muitas pessoas descobriram seus próprios lares e
aproveitaram esse tempo para descobrirem a si mesmo. Então, tenho ouvido no
divã de algumas pessoas que apesar das
incertezas e, claro, insegurança diante do “novo normal”, conseguiram se aceitar,
se auto afirmar, tiveram forças para planos e mudanças. Mulheres assumiram
cabelos brancos e sentiram-se bonitas, de cabeça erguida. Abandonar a vida na
cidade que representava muito stress e tentar a vida mais simples, algumas
migrando para o campo e até mesmo aproveitar para resolver e “limpar” problemas de
relacionamento familiar, olhar para seus sistemas familiares.
Essa pandemia colocou um espelho gigante
em frente a cada uma das pessoas, as prendeu em casa e as interrogou a respeito
de trabalho, amores, moradia, consumismo. O aparelho psíquico precisa ser
exercitado, precisa refletir, precisa de oxigênio para ter força emocional e
sobreviver aos galeios e tsunamis que a vida apresenta. Somente assim é
possível responder ao trauma de forma criativa e construtiva. Testemunho muitas
pessoas olhando para si, querendo construir e se fortalecer internamente. Isso
é muito possível e saudável. Deixar uma vida ‘eufórica’, de saídas e baladas incessantes
para uma internalização e um reencontro consigo mesmo, levando, desta forma,
uma vida mais intimista... uma “vida de cabana”.
Por Fabiana Ratti – psicanalista
Primeiramente publicado no PAN#24 @jacksonaraujo
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