É
a partir da obra de Marquês de Sade (1740-1814), que Lacan faz
uma revolução em seu modo de pensar a psicanálise. Lacan investe na questão dos
modos de gozo, no ano de 1959-60 com O Seminário A ética da psicanálise (1959-1960/1988) e depois com o texto Kant com Sade (1963/1998). Esses estudos
são preciosos para acompanhar o desenvolvimento de Lacan, sob a perspectiva de
que não existe um bem universal, existe o desejo singular. O ser humano lida, o
tempo todo, com o engodo entre desejo e vontade. Entre o que diz querer e pensa
querer e a direção que efetivamente segue ou consegue seguir.
Existem
as escolhas inconscientes, para além do racional, uma necessidade em ficar numa
certa posição subjetiva, uma compulsão à repetição. Ocorrem certas escolhas, em
que o sujeito responsabiliza terceiros pelas consequências, mas que no fundo,
são escolhas inconscientes que definem sua própria vida. Assim, por melhores que sejam ou por mais que
se esforcem, existe algo mais forte do que elas.
Em Além do princípio do prazer (1920) Freud
diz que as pulsões não tendem ao prazer, como ele pensara até então; as pulsões
têm uma tendência enganadora, parecem tender para a vida, para a mudança, mas
ficam na repetição e na mesmice. É a partir desse conceito de repetição da
pulsão que Lacan nomeia o gozo como o excedente da movimentação pulsional.
Contemporâneo a
Kant, Marquês de Sade o segue
no ponto de vista de que o “Universo é incompreensível para o homem” (CARLSON,
1984, p.445) e
que cada um captura um ponto da realidade, mas Sade faz um avanço. Percebe que
o ser humano goza na alegria e na dor. Sade percebe que o ser é capaz de se humilhar,
de rastejar, de sangrar física e emocionalmente por um minuto de júbilo. Ele
relativiza o bem comum. Em sua obra, questiona a lei moral, a ideia de uma
lógica única e de uma harmonia última a se atingir. Percebe que visceralmente o
homem goza e isso não passa pelo sujeito racional, sublinha Lacan em Kant com Sade (1963/1998).
Nos contos, demonstra que há um custo para o ser humano lutar em direção ao desejo.
A inércia, a repetição das pulsões, a escolha inconsciente de objetos que levam
à dor, pode ganhar espaço e o sujeito pode se corromper, deixar o Outro
controlar, ficar na queixa e na impotência. É como a primeira fase de uma
análise. É preciso bastante esforço para sair da queixa e passar a
posicionar-se como sujeito participante de sua própria vida. Sair de uma
posição alienada para um projeto desejante.
De mocinhas e mocinhos bem comportados e vítimas de situações terríveis,
na análise, as pessoas passam a enxergar que são personagens principais,
amplamente responsáveis por seus destinos cruéis. Assim, através da tragédia,
Lacan discute a ética do psicanalista e a ética do sujeito na escolha de seus obscuros
objetos de desejo.
Por:
Fabiana Ratti, psicanalista
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