Por: Fabiana Ratti, psicanalista
Depois de um pouco de política,
após algumas manifestações que pararam o Brasil, voltamos aqui para a
psicanálise. O Lado bom da vida (2012)
de David O. Russell é um prato cheio para a discussão. O filme é realmente bom,
com excelentes interpretações de Tiffany (Jennifer Lawrence), de Pat Solatano
(Bradley Cooper) e dos pais Robert de Niro e Jaki Weaver. Estão todos ótimos.
Pat Solatano é um dos casos psiquiátricos
típicos. Com um pensamento desconexo, destrói e arruma confusão com o quem está
a sua volta. Perde a noção de ´realidade´, se é dia ou noite, fala coisas
desbaratadas sem medir as consequências. Pat chega a ser internado em Sanatório
pois perdeu as capacidades de trabalho, a esposa e a casa. A mãe tira-o da
internação mas Pat é rebelde. Não toma remédio, trata com descaso sua doença,
tenta nega-la, como muitos em sua condição. Tem a ideia fixa em voltar com a
esposa, mas não se esforça em retomar suas atividades.
O filme é bem interessante.
Mostra como a família tem dificuldade em saber como lidar com um filho que
passa por problemas psiquiátricos. Marca o quanto os pais querem dar amor, como
ficam tristes e desesperançosos, angustiados por uma solução que eles duvidam
que algum dia chegue. Também mostra as ‘esquisitices normais’ de uma família e
a dificuldade em saber o que liberar ou exigir de um filho nessas
condições.
Um dia, Pat é apresentado a
Tiffany, uma moça que também tem seus problemas. Porém, Tiffany é insistente.
Aproxima-se de Pat e usa todos os recursos para que ele participe de um
concurso de dança. Com o tempo, a energia psíquica de Pat passa a se dirigir
para esse novo projeto de vida. Então, começa a tomar o remédio, a ser pontual
nos ensaios, a não falar tantas bobagens ou magoar quem está próximo. Dedica-se
ao tratamento medicamentoso e psíquico, que ele passa a frequentar e falar com
mais desenvoltura. A energia psíquica passa a ser canalizada para um projeto,
para uma pessoa. Segundo Lacan, isso ajuda a estabilizar o sujeito.
Tiffany, além de ter de insistir
e manobrar Pat, também precisa administrar a família dele, e, na cena em que
isso acontece, é hilário. Toda a família, apaixonada por futebol americano, se reúne, bebe e torce
junto. Tiffany percebe que o pai ‘puxa’ o filho para ficar perto de si não o
liberando para os ensaios. Ela, perseverante, estuda e raciocina a melhor forma
de ganhar a família, e portanto, ficar com Pat por mais tempo. Então, saca do
bolso uma frase, mais ou menos assim para o pai: Você nunca reparou que seu time vai muito melhor quando seu filho está
comigo? E elenca os jogos e suas respectivas pontuações. Nesse momento, ela
ganha toda a família!
Lacan trabalha bastante, em seus
últimos ensinos, a questão dos Nomes do
Pai. É um termo para falar sobre as versões em que os pais se manifestam, as
leis que os pais apresentam ao filho e o quanto isso afeta seu aparelho
psíquico. O sujeito lê e compreende essa lei afetando sua vida. Após alguns
anos de frustrações e internação, Pat estava fazendo investimentos psíquicos em
projetos que o estavam agradando. Ele canalizou sua pulsão num viés que o levou
a querer investir na vida. Com a autorização do pai, com uma lei paterna, com a
aprovação da família, o filho pode deslanchar ainda mais. É bem interessante
como o filme mostra essa virada de posição. Essa guinada. De uma pessoa perdida
e desgovernada psiquicamente, ela própria, por leis internas de seu desejo e
com a participação da família e da amiga, pode fazer uma guinada em sua vida.
De um sujeito fora da lei, off Broadway,
ele passou a se inserir em seu meio, via sua própria versão de inserção. Vale a
pena ver como ele fez isso e como todos se posicionaram para tal.