Um dia desses assisti ao premiado filme Morango com Chocolate, dirigido em 1994 por Tomás Gutiérres Aléa e
Juan Carlos Tobío, baseado na obra de Senel Paz e, realmente, esse merece os
prêmios que recebeu! O filme é sensível e engraçado, ao mesmo tempo que faz
críticas mordazes à política cubana, discute relações afetivas e preconceito
sexual. É um daqueles filmes que se você não viu, corra para ver. Como faz
falta filmes assim na filmografia mundial!O filme é leve, ao mesmo tempo em que
discute pontos sérios, detalhes, sutilezas que fazem um grande diferencial na
vida de uma nação.
A história se passa em Havana em 1979. David, um estudante
comunista e heterossexual, é paquerado por Diego, um artista gay descontente
com o regime. Os dois estão na praça a tomar sorvete. Qual sabor? O que te
apetece? Quais sabores combinam? Quais se misturam? Essa é a discussão ao longo
do filme. Gosto por leituras, visões de mundo, iniciativas, sexualidade,
índoles, amizades. São diálogos inteligentes, perspicazes, que tocam nossa
emoção, tanto pelas injustiças culturais e sociais como pela forma divertida e
escrachada que os assuntos são discutidos e encenados. Falta na filmografia
atual os diretores respeitarem a inteligência do público tanto como os
diretores cubanos tiveram o cuidado.
Embargada pela discussão Cubana, na seqüência, assisti ao Habana Blues de 2005 dirigido por Benito
Zambrano. Também um filme excelente que, através das músicas cubanas e da bela
fotografia, conseguiu passar um retrato fiel do cotidiano de Havana. As dificuldades do regime, a falta de comida, a comunicação restrita
e principalmente, o quanto os músicos, fechados na ilha, ficam na mão de
olheiros, aguardando as poucas oportunidades de produtores que aparecem por lá
com capital estrangeiro e que os músicos, pouco podem escolher ou pedir para
valorizar seus trabalhos, devido à dificuldade de movimentação e opção que a
ilha permite.
O filme narra a história de 2 grandes amigos músicos Ruy e
Tito. Ruy está num casamento em crise com dois filhos, Tito, que mora com a
avó, é ajudado por ela, e a ajuda, pois é o parente mais próximo. Os dois
amigos, ‘unha e carne’, fazem parte de uma mesma banda e recebem uma produtora
espanhola que está à procura de músicos latinos para uma gravadora. O filme se
passa com muita música, latinidade, sexo, alegria, festa e perseverança para
enfrentar os obstáculos, nesse sentido, de uma forma bem brasileira.
A questão muito marcante nos dois filmes, na minha visão de
psicanalista, é o quanto o comunismo restringe os sonhos. Freud (1932, vol.
XXII, p.205), em uma carta endereçada a Einstein diz ´a garantia de satisfação
de todas as necessidades materiais e o estabelecimento da igualdade em outros
aspectos, entre todos os membros da comunidade. Isto, na minha opinião, é uma
ilusão!´ Não que Freud fosse favorável ao capitalismo, principalmente o
capitalismo selvagem, as diferenças sociais, econômicas e culturais... lógico
que não. Mas, Freud está colocando que o suprimento das necessidades materiais
e o estabelecimento da igualdade, não abarcam os sonhos dos indivíduos.
Uma questão muito séria apontada em Habana
Blues foi: se o cantor faz a escolha de ir para a Espanha
e tentar a vida de músico, mesmo aceitando as péssimas condições que o contrato
impõe, se não der certo, ele pode nunca mais voltar... Nunca mais ver sua
família. Nunca mais trabalhar em sua terra natal. Precisa viver como um mendigo
em terra estrangeira. A Esposa de Ruy, um outro forte exemplo, ao perceber a
necessidade da separação, embrenha-se no projeto de pegar um barquinho e ir
morar em Miami, com grande chance de naufragar no mar, sem a menor segurança e
quase que condenada a ter um subemprego no exterior, sem nunca mais poder
retornar a seu país. Ou seja, o cidadão cubano não tem o direito de ir e vir,
não há democracia, muito menos a globalização, restringindo as escolhas de vida
de seus cidadãos.
Um outro ponto que Morango
e Chocolate discute com ironia apontando essa questão, era o fato de David
ser estudante de letras e não ter acesso a nenhum escritor mundial. Não
conhecia poesias, romances e escritores internacionais, ou seja, uma restrição
muito grande em relação a seu sonho de fazer literatura. Diego, sendo artista,
queria propor novas formas de fazer exposição, levar a cultura ao povo e o
regime, o tempo todo, cortava suas asas.
Do ponto de vista psicanalítico, para que o ser humano viva,
além de arroz e feijão, é preciso que ele tenha asas... sonhe e batalhe por seu
vôo, se não, deixa de ser vida!
Uma homenagem à blogueira cubana que estava em nosso país
nesse mês.
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