Resenha
Crítica sobre o filme O
homem urso de Werner Herzog
Luiza
Olivato, estudante de letras
Para o estudo de
um objeto, consideram-se duas opções metodológicas. A primeira é abrangê-lo em
toda sua forma e conteúdo, observando que a estrutura do objeto é fixa e segue
determinados padrões. A segunda consiste em admiti-lo como uma estrutura
multifacetada em que o estudo de cada uma de suas partes, ora distanciado, ora
aproximado, pode revelar minuciosamente as características, que não são
previamente delimitadas, do objeto como um todo.
Walter Benjamin
(1993) aplica tal concepção a parâmetros de análise textual e mostra que a
primeira forma de estudo de um objeto, citada acima, pode ser encaixada nos
moldes do texto científico, ao passo que a segunda ao texto ensaístico.
Atentando-se para as duas diferenças, é possível aplicá-las para a interpretação
de um filme, como no caso de O
homem urso de Werner Herzog.
O
homem urso é um
documentário sobre Thimoty Treadwell, um estudioso que dedicou muitos anos de
sua vida em defesa aos ursos pardos do Alasca por meio do contato direto com o
habitat desses animais e filmagens posteriormente divulgadas sobre sua pesquisa.
Para contar a história de Treadwell, Herzog utilizou de vários depoimentos de
indivíduos que pertenciam aos círculos de relação do ambientalista. Ao empregar
diferentes perspectivas sobre o trabalho de Treadwell, ao mesmo tempo em que
esses comentários teciam a biografia do pesquisador, pode-se constatar que
Herzog analisava seu objeto de estudo de forma a considerá-lo de forma
multifacetada, em que cada depoimento compõe um fragmento deste objeto que, ao
final da apresentação de cada uma dessas partes, é possível que o telespectador
componha a história de Thimoty Treadwell e tenha seu próprio ponto de vista
sobre a trajetória do ambientalista. Sendo assim, Werner Herzog trabalha seu
filme como se fosse um ensaio, segundo os conceitos de Walter Benjamin.
Entretanto, se
observadas as relações traçadas entre Thimoty Treadwell e seu objeto de análise,
os ursos pardos, percebe-se um movimento de expressão diferente do tratado por
Herzog. Nas filmagens de Treadwell, nota-se que o ambientalista considera que,
para salvar os ursos dos caçadores, ele tem a missão de se aproximar dos animais
e mostrar ao público seus modos de vida, no entanto, nesse contato, Treadwell
imprime características humanas aos animais e não os considera como seres que
possuem suas determinadas singularidades, como se os ursos fossem passíveis de
uma “humanização”. Portanto, ao passo que o cineasta lida com seu objeto de
estudo de forma ensaística, o ambientalista determina seu objeto sobre uma única
perspectiva, num estilo próximo ao texto científico.
Dentre toda
cadeia de depoimentos familiares estabelecida em O
homem urso, Werner Herzog exprime seu ponto de vista em determinado
momento: “às vezes, Treadwell ficava cara a cara com a dura realidade da
natureza selvagem. Isso não combinava com sua visão sentimental de que tudo ali
era bom e o universo vivia em equilíbrio e harmonia.” (1h07). O cineasta
considera que Treadwell possui uma visão distorcida sobre a natureza: a de que
ela é harmônica, quando, na realidade e em sua opinião, ela é composta pelo
oposto, visto que há animais que matam uns aos outros sendo pertencentes da
mesma espécie ou não.
Em oposição
tanto a opinião de Herzog, quanto de Treadwell, primeiramente, encaixa-se o
argumento utilizado em depoimento de Sven Haakanson, curador do museu Alutiiq de
Kodiak, que possui artigos sobre as comunidades que vivem no Alasca. Nele,
Haakanson possui a posição de absoluto contato entre Treadwell e os ursos pardos
como falta de respeito à natureza, pois corresponde a uma invasão do território
dos ursos e, ao ter a constante presença humana, corre-se o risco de que os
ursos deixem de considerar os seres humanos como uma ameaça, o que os
prejudicaria ainda mais.
Aliado a posição
de Haakanson e contrariando a visão de Herzog, pode-se observar que a natureza
dos animais compõe um ambiente que não é caótico, mas sim harmônico dentro das
perspectivas dos animais e do próprio sistema de equilíbrio da natureza. O termo
“harmônico”, para os seres humanos, designa uma visão utópica de um lugar onde
não há mortes e existe igualdade de condições e justiça. Se tal definição não se
aplica aos seres humanos, julgá-la em um contexto de outros seres vivos que se
organizam em sociedade de forma diferente da humana, torna-se ainda mais
equivocada. Portanto, deve-se procurar entender a natureza sob uma ótica dos
seres vivos estudados e não buscar encaixá-los em parâmetros determinados pela
sociedade humana.
Referência
Bibliográfica: BENJAMIN,
Walter. Obras escolhidas: Magia e técnica, arte e política. São Paulo:
Brasiliense, 1993
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