quarta-feira, 12 de junho de 2019

Cinderela, o príncipe e a psicanálise



Cinderela é um dos contos de fada mais lido, interpretado e filmado, um dos mais populares que existe. Como mãe de duas meninas, foi um dos filmes mais visto entre Branca de Neve e Bela Adormecida. Sentirei saudades desse tempo!

Cinderela, a moça que ficou órfã e foi criada pela madrasta, precisava fazer o serviço pesado da casa para que as filhas da madrasta tivessem regalias provoca, automaticamente, uma empatia no público. Depois, na noite do baile, sofrendo despeito e maus tratos, é obrigada a ficar em casa e não tem a chance de se divertir e ver o príncipe como todas as moças de sua idade. Então, vem a redenção, a vingança. Cinderela é agraciada com uma fada madrinha. Sua bondade e dedicação merecem uma recompensa. Chegou o seu dia! Ganha roupa, carruagem, sapatinho de cristal. Cinderela chega ao baile maravilhosa! Linda em seu vestido azul e encanta os olhos do príncipe.

Muitos costumam dizer que príncipe encantado não existe. E, como psicanalista, concordo que ver a pessoa, ficar num baile e viver feliz para sempre, não existe. É preciso conhecer, selecionar, conversar, conviver para ver se existe um entrosamento, uma ligação, pensamentos em comum, hábitos parecidos para que possam fazer atividades em conjunto e passar momentos agradáveis.
Porém, pela clínica, também vejo o contrário. Vejo que todos podem ter “o seu dia”. Muitos me contam um dia especial, um dia em que ganhou presentes como se fosse de uma fada madrinha, um dia em que encontrou uma pessoa bacana e o mundo parou, como se só existissem eles no salão, como se só existissem olhos um para o outro.

A questão é que muitas vezes, o aparelho psíquico fala mais alto e não aguenta, não suporta a felicidade, e assim, infelizmente, a própria pessoa destrói esse momento mágico e pica a sua oportunidade de ser feliz. Freud discute essa questão em “Arruinados pelo êxito”. A Capacidade que a pessoa tem de destruir a própria felicidade.

Em 1920 Freud publica: “Para além do princípio do prazer” e nele explica que existe uma ‘compulsão à repetição’, ao fracasso, ao pior, à inércia. A ‘pulsão de morte’ fala alto nesses momentos destruindo situações que poderiam ser maravilhosas. Um dos objetivos de fazer uma análise é frear a compulsão à repetição e se responsabilizar por sua vida e suas escolhas, não transformando o príncipe em um sapo. Ou seja, uma das queixas frequentes em análise é a famosa frase: Quem eu amo não me ama, e quem me quer eu não quero. Como analista, é perceptível que quando aparece a fada madrinha, quando o príncipe aparece como um presente, muitas vezes, a pessoa não demonstra nem vontade de conhecer, de dar uma chance, de se aproximar. Muitas vezes, a pessoa fica na compulsão à repetição de sofrer, de chorar, desprezando oportunidades que são verdadeiros presentes.

Desse ponto de vista, sinto que existem muito mais príncipes encantados e que poderia haver muito mais Cinderelas por aí, se as pessoas abrissem o coração e dessem uma chance para situações inesperadas e pessoas diferentes. Há uma dificuldade em lidar com o Real, com a surpresa; apostar em situações diferenciadas, experimentar. Então, as pessoas ficam fixas esperando uma única pessoa imaginária que muitas vezes é impossível, ou não existe, e não se abrem para momentos inusitados, para pessoas de carne e osso. Além de tudo, ficam pensando no outro que não apareceu, ou na pessoa que perdeu, não conseguem se concentrar no presente e construir uma nova realidade.  Quando a fada madrinha surge, não percebem. Picam o vestido, jogam fora o sapatinho e reclamam da abóbora. Não conseguem ver o que há “Para além do princípio do prazer”, para além do que a vista alcança.

Hoje, 12 de junho, dia dos namorados, olhe em volta, abra seu coração, dê uma chance, fique mais aberta e condescendente para ser feliz com seu príncipe!!  

Por: Fabiana Ratti, psicanalista

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