Branca de Neve é um
clássico que discute a rivalidade mãe e filha. Teve origem na Alemanha e se
popularizou com autores como Os irmãos Grimm. Os contos de fada utilizam-se de
recursos para suavizar sentimentos dividindo os personagens entre bons e maus,
como se fossem planos, como se não houvesse ambiguidade nos seres humanos. Um
desses recursos é colocar a madrasta ou uma bruxa, com todas as características
terríveis, protegendo a mãe já falecida.
Hoje em dia existem muitos
movimentos de mães que falam em blogs e youtubes, expressando o quão difícil é
a maternidade, mostrando o quanto não são apenas sentimentos bons e de amor que
são suscitados na relação mãe-filha. Na época, o recurso prevalente era a
madrasta e as bruxas, e assim, a madrasta de Branca de Neve, frente ao espelho,
faz a clássica pergunta:
“Espelho, espelho meu, existe uma
mulher mais bela do que eu.”
Esta frase é ótima, bem narcísica
e super atual! Como se não existissem tipos diferentes de beleza e, muita
produção para alcançar a beleza esperada... os concursos de Miss e as 100 mais
bonitas continuam preenchendo as capas de revista e aquecendo o mercado. Ok, a
estética é uma fatia da arte que merece ser apreciada! Desde que não termine em
morte, como é o caso de Branca de Neve, cuja madrasta decide matá-la por descobrir
ser ela a mais bela do momento.
O bom caçador, não tendo coragem
de matá-la, conta a verdade e Branca de Neve foge indo refugiar-se na casa dos
7 anões. A princípio, aquela visitante intrusa trouxe medo e desconforto para
uns, mas logo, com sua meiguice, ganha o coração de todos os anões.
No filme da Disney, nesse
momento, o zangado fala uma frase bem interessante:
“As mulheres são cheias de
sortilégios.”
Querendo dizer o quanto elas têm
artimanhas para conseguir tudo o que querem, assim como Branca de Neve chega na
casa e já coordena, direcionando para o que acha melhor: manda os anões lavarem
as mãos antes de jantar!
Freud passou anos de seu trabalho
tentando entender “O que quer uma mulher”, passando a bola para Lacan que se
debruçou sobre o assunto e chegou na singularidade absoluta do ser. Não existem
dois seres iguais e não há, no inconsciente, um significante que determine uma
mulher, um sujeito. Não é possível transmitir a posição feminina nem de mãe
para filha. É algo que deve ser construído de maneira individual. Porém, até
que a pessoa tenha essa construção subjetiva de si próprio, é muito comum ela
não suportar conviver com alguma mulher que lhe incomode, alguma mulher
específica. Como se elogiar uma mulher, automaticamente estivessem dizendo que a
outra mulher é feia. Exaltar a beleza ou a qualidade de uma, aponta o furo e a
castração da outra. E não é isso. Lacan escreve um texto em que diz: “Não há
espaço para dois.” Quando a pessoa não tem seu espaço subjetivo construído:
quem é, qual sua beleza, qual sua inteligência ou sua potencialidade, a pessoa
fica vulnerável e o que está fora abala seu interno. Assim, o sujeito não
aguenta, não suporta ver e se defrontar com o outro, não há espaço para dois em
seu aparelho psíquico. Desta forma, a rivalidade feminina é intensa. Ver a
outra é se deparar com o falta-a-ser fundamental e isso desestrutura a pessoa.
Muitos dizem ser caro uma análise
porém, comprar bolsas e sapatos, roupas de marca ou ir ao cabelereiro somente
para rivalizar com a outra, também sai bem caro! Fora a energia psíquica
investida! Não se trata de gênero, a partir dos estudos sobre o feminino Lacan
chegou na singularidade de todo sujeito. Dessa forma, é muito comum vermos
pessoas com parceiros falando muito mal desses parceiros... sua incompetência,
inabilidade, insuficiência. Quanto mais rebaixamos o outro mais o aparelho
psíquico se sente enaltecido. Como se falar do outro fosse elogiar a si
próprio. Ou seja, a rivalidade é um perigo. É um perigo destruirmos o outro
apenas para colocar a castração no outro e nós ficarmos inteiros, belos e
maravilhosos!! Formas psíquicas de matar o outro e nos enaltecermos, variações
do mesmo tema de Branca de Neve.
A madrasta de Branca de Neve, não
tendo um espaço psíquico de subjetividade constituído e o ego bem inflado, acredita
que, somente matando a outra, que conseguiria ter sua beleza preservada. Isso é
uma grande ilusão pois, naquele momento era Branca de Neve, depois poderia ser
outra, outra, e mais outra. Isso existe direto em nossas vidas cotidianas.
Pessoas que não suportam conviver com outras e precisam ‘cortar suas cabeças’,
mesmo que sendo em sentido figurado, pois conviver com a beleza, a inteligência
ou a capacidade do outro pode se tornar insuportável.
Infelizmente, essa rivalidade
pode acontecer mesmo entre mães e filhas, entre pessoas muito próximas, na
mesma família. Quanto mais amor, mais vulnerabilidade, mais os olhos ficam
ofuscados e o sujeito tem dificuldade em se separar e admirar, suportando a
beleza e a felicidade do outro que está ali em frente. Por outro lado, é bem
bacana quando a pessoa, tendo um espaço subjetivo constituído, não apenas
suporta conviver com pessoas belas e talentosas, como as admira e as incentiva,
impulsionando o crescimento de todos em volta.
Por: Fabiana Ratti, psicanalista
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