A pequena sereia é um prodígio,
consegue conquistar seu príncipe sem pronunciar uma única palavra.
Ela faz um
pacto: sua voz pela liberdade. Arrisca perder sua voz para sempre, fica num
corpo humano por um tempo e conquista seu príncipe sem usar as palavras.
Sucesso!! Além de tudo, não tem madrasta ou bruxa atrás dela, ninguém a prende
na torre, ninguém rouba seu sapatinho ou tenta envenená-la, nem perde anos
adormecida. Nem mesmo a cauda a impede de ir para o mundo dos humanos!
O grande dilema de Ariel é deixar
o pai que sempre fala para ela ficar no fundo do mar e não ir à superfície.
Esse é o clássico dilema Edípico, ficar com o pai, obedecer quem lhe deu a
vida, ou seguir seus próprios desejos, seu próprio caminho e ir em direção a um
amor.
Freud discute esse ponto em
diversos textos, mas é em Totem e Tabu (1913) que afirma categoricamente que a
direção do sujeito é o êxodo. É necessário respeitar e cuidar de pai e mãe, mas
a direção do ser humano é cuidar de sua própria vida e abrir espaço em seu
coração para um amor. Freud também afirma que isso tem um custo. Há um preço a
pagar por nossa liberdade, nossas escolhas.
Hoje vemos gerações com
dificuldade de sair da casa dos pais. Muitos falam: por que vou sair se tenho
tudo? Casa, comida e roupa lavada? Sim. É difícil abrir mão de um certo conforto,
enfrentar o futuro incerto e pagar um preço por algo que não está pronto.
Essa também é a razão de muitas
separações. Neste sentido, Ariel é campeã! Abre mão do núcleo familiar, do
conforto do mar e dos ganhos de estar perto de seus familiares. Ariel, para se
casar, troca de nicho ecológico (nada como estudar ciências com a filha
pré-adolescente!). Ela sai do mar e vai viver na terra. É outro ambiente, outra
relação, outros ecossistemas que existem ali, outro nicho ecológico. Ou seja,
se arrisca, paga o preço de seu desejo e enfrenta a vida de carne e osso com
suas dores e alegrias! Todo desejo tem um custo, e esse custo é alto.
Muitas vezes, as pessoas vão para
o casamento querendo ter a vida que tinham antes e apenas ganhar... apenas a
parte boa. Isso é da ordem do impossível. Levamos para o casamento valores,
referências, hábitos, receitas, afetos. Mas a ideia é que criemos algo novo,
algo inusitado, original. Querer a vida anterior ou repetir a história do pai e
da mãe pode ser da ordem da compulsão à repetição e pode não ser saudável.
Ariel enfrenta como poucos abrir
mão de posições antigas e pagar o preço de seu desejo. O mais bonito no filme é
que termina em festa. Todo pai se preocupa com os filhos, mas quer vê-los bem e
felizes. Essa luta, essa disputa familiar, é realmente para ter um final feliz!
Invejável sua coragem e
determinação!
Por: Fabiana Ratti, psicanalista
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