Por: Fabiana Ratti
“Quanto mais amo a humanidade em geral, menos amo as pessoas em particular, como indivíduos. Muitas vezes tenho sonhado apaixonadamente em servir à humanidade, e talvez tivesse mesmo subido ao calvário por meus semelhantes, se tivesse sido preciso, embora não possa viver com ninguém dois dias no mesmo quarto. Sei por experiência. Quando alguém está junto de mim, sua personalidade oprime meu amor-próprio e constrange minha liberdade. Em vinte e quatro horas, posso antipatizar com as melhores pessoas... Torno-me o inimigo dos homens, logo que ficam em contato comigo...” (68)
Entre tantas discussões e elogios que podemos fazer à obra de Dostoievski, é preciso selecionar a cada vez um traço que daria para fazer uma tese. Recorto este parágrafo para dizer o quanto ele é cru, pragmático e objetivo. O quanto é possível se comover com a fome, a seca, a guerra, a miséria, a violência, etc. Mas como é difícil o convívio diário de um ser com o outro. Manter o cuidado, os bons tratos, a educação, o respeito e a dignidade.
Freud diria que estar com o outro, se relacionar, manter padrões razoáveis de bons tratos é um exercício narcísico. Ou seja, é preciso abrir mão de algumas coisas, escutar, incluir a opinião, o gosto, o jeito do outro. Exercício narcísico pois não é possível se relacionar e ficar rígido em seu narcisismo. Ou seja, “olhar somente para seu umbigo”, como diríamos num bom português. Portanto, quando Dostoievski diz que estar com o outro ‘oprime o amor próprio’. Sim. O outro não estará, o tempo todo, ‘alisando’ o narcisismo, dizendo que a pessoa é ótima, querida e ela fará tudo pela pessoa. Ao contrário, relacionar-se é convocar o outro a se esforçar a dar o que ele tem de melhor. É esforçar-se para fazer pelo outro, incluir o outro. E, logicamente, que a liberdade absoluta é perdida, pois existe uma segunda opinião, um segundo desejo. É possível escolher, mas na escolha estará embutida uma união de pensamentos, ideias e desejos. A cada momento, um prevalecerá e o outro terá de abrir mão.
Estar com uma pessoa é realmente um forte exercício de amor próprio, escolha e liberdade. A outra opção é ficar sozinho. Mais tranqüilo, menos opressivo e com mais liberdade. Porém, da mesma maneira, há uma perda. Algo a pessoa fica sem... não tenhamos ilusões na liberdade absoluta! Trata-se apenas de escolha.
Estou já no final do livro Irmãos Karamázovi, justo o que vc cita no comentário. Estou realmente impressionada com esse livro. Os inúmeros pensamentos e questionamentos levantados, a profundidade das análises e a "filosofia da religião", trazida principalmente pelo personagem Ivan. Embora ainda não tenha terminado o livro, fico em dúvida sobre o papel do menino Ilyucha no livro. Isso ainda me escapa (embora não tenha finalizado, ainda, o livro).
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