quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

A Erva do Rato







Por: Fabiana Ratti 
A Erva do Rato está entre nós. Júlio Bressane, com grande sensibililidade, retrata um casal que se olha, mas, incrivelmente não se vê. Mesmo habitando a mesma casa, dormindo na mesma cama e até utilizando lentes e recursos fotográficos.
Com a poesia e o lirismo que uma obra de arte permite, Alessandra Negrini e Selton Mello retratam, de forma magistral, o quanto existe um vácuo entre o olho biológico e o olhar que inclui o sujeito do inconsciente.

Entre tantas faces que uma obra de arte pode ser olhada, escolho um viés que Lacan aponta no auge de sua discussão psicanalítica: ‘a relação sexual não existe.’ Bressane coloca em seu filme a radicalidade desta máxima, porém, não tenhamos ilusões. Nem Lacan e nem Bressane estão discutindo o ato sexual em si. Os dois, um na psicanálise, o outro na arte, se esforçam para transmitir a dificuldade que existe num verdadeiro encontro.

Estar com o outro, encontrar, ver, escutar... não significa apenas dois corpos biológicos se posicionarem frente a frente ou penetrarem um no outro através de seus orifícios.
A erva do rato está nas ruas, entre as multidões e na solidão dos lares. A erva do rato entra em nossos consultórios de forma devastadora. Corroendo, triturando e destruindo. É como o cupim. Corrói aos poucos, lentamente e, de repente, quando se dá conta, toda uma construção desaba...

São assim muitos e muitos relacionamentos. Ao assistir a obra, podemos ter aquele impacto: ‘que horror’, ‘só em filme’, ‘que coisa estranha!’. Mas Bressane captura algo absolutamente humano... e como diria Vinícius de Moraes: “A vida é a arte do encontro embora haja tanto desencontro pela vida.” E o que vemos no consultório de psicanálise são muitos desencontros. Muitas fraturas gratuitas. Agressões, desgastes, ignorância. Fenomenologicamente podem agir de forma diferente do casal do filme, pois este era silencioso, amável e respeitoso. Porém, em sua essência, existe uma ‘não relação’, um monólogo interior, dois organismos que psiquicamente estão desvinculados. Até existe um esboço, um vislumbre de um desejo por parte da moça. Mas, e a atitude? O posicionamento? Parece não haver energia psíquica, força suficiente para chegar até o outro e batalhar por seu desejo. É efêmero. E passa...

É a moça, mas parece que podia ser qualquer outro objeto. Uma caveira, por exemplo. O outro não existe. Existe a masturbação. O próprio prazer. A satisfação das vontades imediatas.

A psicanálise visa o desejo. Porém, se o desejo é de fato desejo, ele inclui trabalho, estudo, esforço, construção, diálogo, ligação. Freud já disse em 1920, existe o para além do princípio do prazer... Existe algo além que pode ser destrutivo e corrosivo, mas por outro lado, pode ser algo especial, que constrói, liga as pessoas e gera vida! Duas posições radicalmente diferentes frente ao outro. Para a psicanálise, é possível a vida ser a arte do encontro, da construção e da vida! Porém, é um perigo se deixar corroer inerte pela erva do rato... 

Diretor: Júlio Bressane
Elenco: Selton Mello, Alessandra Negrini.
Produção: Marcello Maia, Bruno Safadi
Roteiro: Júlio Bressane, Rosa Dias, baseado nos contos A Causa Secreta e Um Esqueleto, de Machado de Assis
Ano: 2008
País: Brasil
Gênero: Drama


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