No
terceiro capítulo da série Adolescência, temos o atendimento da psicóloga com
Jamie. Ela é intensa e muito bem executada, também sem cortes de cena e assim temos
a sensação de que participamos da terapia.
No
início, mostra o nervosismo dela em entrar em uma sessão com um adolescente de
13 anos em regime interno sendo processado por assassinato. Ou seja, mesmo
profissional, somos todos humanos e alguns casos são mais difíceis do que outros.
Embora, trabalhar em uma penitenciária nenhum caso deva ser fácil!
A
psicóloga está em uma posição bem delicada, por um lado, escutá-lo e por outro,
existe algo investigativo em suas perguntas. No momento de maior tensão é
quando o menino pergunta sobre seus afetos. Todo ser humano quer ser amado, inclusive
ele que cometeu um ato tão atroz.
A
psicóloga estava indo muito bem, mas se perdeu em acreditar que precisava responder
“A verdade”. E esta é a diferença da psicologia para a psicanálise. Nesse
momento, ela acreditou se tratar de uma ‘relação dual”. Que ela deveria
responder o que, de fato, pensa e acha em relação ao menino.
E
isso não é necessário. Estamos em uma relação profissional e Lacan desenvolve
em sua teoria que existe um terceiro na relação que é estabelecida. Podemos
usar de recursos linguísticos.
O
psicanalista Jacques Lacan (1901- 1981) enfatiza o quanto o analista precisa
aprofundar em sua análise pessoal pois não é com o analista, não se trata da
pessoa do analista. A linguagem é um bisturi que pode ser utilizada para tratar
o aparelho psíquico. Ela é plástica e dinâmica. É possível enfrentar o ‘corpo a
corpo’ com o paciente/ analisante e mesmo assim, não atingir o analista.
Utilizando semblantes e significantes na
posição de analista, é possível colher ótimos frutos sem se tratar da pele do
analista. Não é a pessoa do analista que está em jogo no atendimento. O
psicanalista está em missão, ele tem uma função. Lacan discorre sobre: presença de analista, função de analista,
ato do analista, discurso do
analista. Ou seja, recursos para não se confundir com a pessoa do analista:
quem ela gosta ou não gosta, quem ela acha bonito ou não.
O que importa é a verdade do sujeito, seus
significantes primordiais, o que tem valor para ele. Não são as concepções
pessoais do analista, seus interesses e valores. O que não quer dizer que o
psicanalista não fale sobre ‘si’, pois o paciente/analisante frequentemente pergunta
uma ou outra questão. Em A direção do tratamento e os princípios do seu
poder (1958/1998), Tópico
3, 4º parágrafo, Lacan escreve: que o analista precisa “pagar também com sua
pessoa, na medida em que, haja o que houver, ele a empresta como suporte aos
fenômenos singulares que a análise descobriu na transferência.” (p.593).
Por esta razão, o sério compromisso do
psicanalista fazer análise. Para ser psicanalista, é preciso chegar a ponto do profissional
distanciar-se de si próprio. De suas posições políticas, de seus valores
pessoais e econômicos, de suas crenças religiosas ou ateias. Não são os valores
pessoais do analista que estão em jogo. E não é por isso que o analista não
pode falar de ‘valores pessoais’. Muitas vezes, eles são necessários, mas
precisa falar com viés naquilo que o sujeito necessita que seja dito.
Uma
palavra da psicóloga, um elogio, um semblante de carinho, baixariam as pulsões
de Jamie e não seria necessário brigas e cadeiras rolando pela sala. A
psicóloga arriscou acontecer algo mais grave. O profissional da saúde precisa
usar da técnica para dialogar com o emocional do sujeito. E não ser técnico e
frio, afastando o sujeito e colocando em risco a sessão e a segurança do espaço
de tratamento.
Fragmento
discutido em Clínica e Supervisão – Entrevistas Preliminares – táticas e estratégias
psicanalíticas. Ed. Unbewusste Ltda, Fabiana Ratti, psicanalista