terça-feira, 26 de maio de 2020

A Terceira Margem do Rio e o confinamento na canoa


A Terceira Margem do Rio é um dos contos mais famosos de Guimarães Rosa
publicado em 1962 no livro Primeiras Estórias. Fala sobre um jovem que decide sair da casa da família e abandona a sociedade para viver numa pequena canoa num grande rio.

Muitas interpretações e leituras foram feitas a respeito do crescimento e amadurecimento do jovem. A leitura mais clássica da psicanálise é que ele retrata o famoso Complexo de Édipo para Freud: a primeira margem seria a mãe. O conhecido, o que está mais perto e familiar. O amor incondicional que temos nos laços de sangue e onde aprendemos as primeiras palavras, os primeiros passos, a construção do sujeito e as ligações de amor. A segunda margem seria o pai. A lei, as regras que nos fazem entrar no mundo da cultura. E a terceira margem representaria nossas próprias escolhas. Nossos caminhos. Mesmo que numa pequena canoa é assim que começamos a vida. Num espaço pequeno e a vida lá fora parece muito grande, caudalosa, cheia de novas aprendizagens.

O grande diferencial de uma obra de arte é que ela é sempre contemporânea, atual, se encaixa nos momentos da vida. Agora, na pandemia, nos deparamos com a solidão, o isolamento de uma canoa. Não sabemos o que o rio nos reserva... vemos o sol ‘nascer’ e se ‘pôr’ todos os dias... como jamais havíamos reparado numa cidade grande. A canoa nos levará para uma terceira margem. Não sabemos o que encontraremos do lado de lá. Entramos na canoa para sair rapidamente... talvez 15 ou 30 dias... e os dias vão passando, passando. Entramos com uma idade... e muitos aniversários estão acontecendo. Sairemos da canoa com outra idade, num outro contexto histórico e político, muitos ministros terão passado por nós. Por um lado, nada terá acontecido. Apenas teremos ficado na canoa, no confinamento. Sem festas, bares, encontros sociais. Por outro, muitas aprendizagens, inúmeras lives, uma nova forma de ver a vida e o mundo...

E ‘os caminhos não acabam...’ G. Rosa.

Por: Fabiana Ratti, psicanalista

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