A Leoa (2017) é um filme norueguês baseado num romance
de Eric Fosnes Hansen e muito bem interpretado por Mathilde Thomine. O filme se
passa em 1912 numa pequena vila da Noruega, numa estação de trem, e mostra, de
forma magistral, como o preconceito pode ser implementado ou banido, dependendo
do posicionamento do sujeito, ou dos sujeitos em volta.
O filme começa com um funcionário da estação de trem
vendo sua esposa falecer ao dar à luz à sua filha. Essa já é uma situação que
não há nada que possa causar mais horror. Para receber a vida da filha precisar
perder a sua amada companheira. Tudo que deveria ser um momento de festa e
alegria, passa a ser um momento de horror e desespero. Como um senhor do começo
do século XX conseguirá cuidar de uma filha sozinho?
Como se não bastasse, a menininha nasce coberta de
pelos. Segundo o médico, os pelos do bebê caem no 6º mês de gravidez e os dela
não caíram. Ela teria aqueles pelos por todo o seu corpo até o final de sua
vida. Eva parece um ursinho de pelúcia cuja doença é chamada de hipertricose.
Esse primeiro momento é absolutamente angustiante e o
filme faz jus à tensão necessária. Como investir psiquicamente numa criança que
estava causando-lhe tanta dor?
O pai contrata uma moça para cuidar dela e fica bem
afastado, nem a olha e nem a toca. Além de tudo, ainda não a deixa ter contato
com a sociedade. Ele a exclui de ir à escola, de passear pela rua, até mesmo de
ver o sol se alguém estiver passeando pela rua no horário.
Olhando de fora, Eva teria tudo para viver uma vida
absolutamente normal, pelo menos até a adolescência, quando outras questões
entram em jogo. Mas, na infância, se o pai a tivesse apresentado à sociedade,
deixado ela brincar na rua como as outras crianças, levado à escola e enfrentado
a sua diferença de cabeça erguida, Eva poderia ter sido incluída pela grupo. Como
ele a trancafiou numa torre, o mito da menina que tinha pelos ficou pairando na
cidade, mas ninguém sabia como ela era. O pai tinha vergonha de apresenta-la e
dessa forma podemos ver pelo filme as angústias e tristezas que podem ser
causadas quando dentro da própria casa nasce o preconceito. Logicamente que
esse preconceito é criado pelo dor narcísica de ter gerado “um monstrinho”, a
sensação que um pai tem diante das incompletudes que o filho aponta.
Eva já tinha uma situação singular, somada à vergonha e às
dificuldades do pai, isso tomou uma força desproporcional fazendo com que Eva
quase não tivesse vida, quase não existisse... sem amigos, sem encontros, sem
vida.
Mas foi sua querida cuidadora que, tomada pelo amor, incentivou
Eva a ir para a escola, a
interagir com as pessoas, a batalhar por sua vida.
Não é fácil enfrentar a diferença com unhas e dentes. Mas, a acompanhante, com
seu orgulho de ver Eva, tão inteligente, crescer e dar os primeiros passos; a incentivou
e ela teve coragem, destreza, vontade de crescer e chegou longe. Longe, muito, muito
longe. Dando uma prova de que não é o outro que nos autoriza a viver e a fazer
parte da sociedade, somos nós mesmos que nos autorizamos e nos incluímos!
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