Por: Fabiana Ratti, psicanalista lacaniana
Thanks for sharing é uma
comédia dramática de 2012, à primeira vista bem simples, com poucas estrelas na
qualificação Netflix. Porém, é um retrato muito realista do caos em que está a
saúde mental. O filme retrata um grupo anônimo. O mocinho Mark Ruffalo está há
5 anos se controlando para não se masturbar ou para não ter relação sexual
promíscua... Ele fica entre os colegas, discute sexo e autocontrole. Porém, em
nenhum momento o vemos discutir sonhos, desejos, projetos de vida, relação
homem e mulher... Nada. Existe um grande vazio.
O bonito é ver
os amigos se ajudarem, dando força uns para os outros e compartilhando suas
experiências. Por outro lado, é bem triste ver que esse é o único recurso que
eles têm! Apoio. Não existe um profissional que trata. Considerar o aparelha
psíquico está a anos luz daquele espaço. Tudo é feito no nível do racional, do
controle do comportamento; pensamentos, sentimentos e sonhos estão fora de
cogitação. O objetivo é controlar o sintoma, com apoio e métodos de autocontrole.
Aquilo que a
pessoa menos pode fazer (transar, beber, se drogar, comer...) é o que ela mais
deve pensar para evitar. Como alguém consegue se recuperar desta maneira?
Naquele espaço,
a pessoa não é um sujeito que tem seus sofrimentos e dores singulares e por
esta razão transforma esta angústia em sintoma. Não. A pessoa é um alcoólatra
anônimo, um neurótico anônimo, um viciado em sexo anônimo. O que importa é ser
anônimo. Sua singularidade deve ser sufocada e o que ela precisa se controlar é
em não repetir o sintoma. É uma técnica que ofusca a personalidade e foca em não
repetir o sintoma. Como não reincidir? O filme mostra que é bem difícil!
Para a
psicanálise, o sintoma é apenas a ponta de um grande iceberg. É preciso deixar o sintoma um pouco de lado e discutir
todos os outros aspectos do sujeito como: família, amor, estudo, trabalho, vida
profissional, vida financeira, sexualidade, esporte, saúde, alimentação, lazer.
O sujeito não se restringe ao seu sintoma. Ele é uma gama de possibilidades,
qualidades, particularidades. O sintoma é uma forma de paralisar o sujeito e
fazer com que ele se volte para si, preste mais atenção porque algo não está
indo bem.
O que acontece
em AAs é algo sociológico. Troca de experiências, parcerias e até amizades. Algumas
vezes funciona porque a pessoa encontra ali um espaço de partilha e incentivo
que pode estimular o sujeito a mudar seus hábitos. Porém, tratamento de saúde
mental, infelizmente, não acontece em grupo. É preciso um lugar reservado, um
espaço para o sujeito levar suas interrogações mais íntimas, suas inseguranças
e medos. Para haver tratamento é preciso valorizar o que há de mais singular
no sujeito e não ao contrário, o que é universal e comum a outros.
Ao tentar
driblar uma compulsão, é preciso que o sujeito, de alguma forma, se vincule à
vida. A novos sonhos, projetos, conquistas e realizações. Se o sujeito tem novas
realizações, o sintoma vai se desmontando, vai se esfacelando e dando lugar a
outras satisfações. Se existe um vazio e nada é colocado no lugar, a compulsão
a repetição prevalecerá em busca de míseras satisfações sensoriais... Míseras
perto de outras tantas satisfações que o ser humano pode ter através de seu
talento, construções e conquistas.
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