Duas coisas têm colocado
o tema do suicídio em debate: a discussão sobre o jogo baleia azul e a série 13
reasons why, traduzido em português para Os 13 Porquês (trailer no youtube). Resumidamente, o
primeiro se trata de uma suposta dinâmica que acontece em grupos de whatsapp ou
facebook onde os curadores colocam 50 desafios para os jogadores, na sua
maioria jovens adolescentes mas não apenas. Esses desafios vão desde cortar a
própria pele desenhando uma baleia – animal que dá o nome ao jogo – até o
suicídio, que seria o desafio final. Já a série, disponível no Netflix, retrata
o suicídio de uma jovem no ensino médio e conta, em 13 capítulos, as causas que
a levam a se matar, sendo que cada uma das causas corresponde a uma pessoa do
seu ciclo de convivência.
Além do forte debate em
torno do tema, há uma polêmica em relação à responsabilidade da indústria cinematográfica
em veicular conteúdos que retratem o suicídio de maneira tão fidedigna, como no
último capítulo de 13 reasons why (atenção:
spoiler!) quando a protagonista se suicida em uma cena que é quase um tutorial
de como se matar. Isso porque vários estudos comprovam que noticiar um suicídio
ou representá-lo, ainda que ficcionalmente, pode ter um efeito contagioso e
levar um número de pessoas a se suicidarem. Esse fenômeno pode ser chamado de
Efeito Werther, termo que faz referência ao personagem do livro “Sofrimentos do
Jovem Werther”, escrito por Goethe e publicado em 1774. O personagem, que se
mata no final na trama, teria influenciado jovens leitores da época e causado
uma onda de suicídios na Alemanha. Não teremos como saber se de fato isso
aconteceu uma vez que os registros da época não são precisos e há diferentes
opiniões sobre o assunto, mas fato é que o personagem passou a dar nome ao
efeito contagioso do suicídio. Por ser um assunto delicado, por trazer
constrangimento às famílias e para evitar o contágio, a mídia costuma não fazer
muitas reportagens a respeito, com exceção de momento como esses, quase que
epidêmicos.
Questionados sobre a
possibilidade de que a série induzisse jovens ao suicídio, os autores e
produtores de 13 reasons why respondem
que a ideia era mostrar da forma mais fiel possível o ato de terminar com a
própria vida, para fazer com que fosse desagradável assistir e assim passar a
mensagem de que esta nunca deveria ser uma opção.
Não conseguimos perceber de que
maneira representar um suicídio de forma tão explícita possa passar essa
mensagem. Mesmo porque, Freud em Psicologia
de grupo e análise do eu de 1921 cita Hitler e explica o fenômeno de massas
que dominou o mundo Europeu no século passado. Freud é bastante enfático ao
colocar a identificação com um líder, um laço emocional com uma pessoa forte
que comanda, como responsável por cegar nações,
governar povos e levar pessoas a compactuarem com o assassinato em massa.
Freud diz que ter alguém firme para liderar um grupo que no momento estava
frágil pela questão das guerras, traz um norte para a nação, leva confiança às
pessoas a ponto de cegá-las chegando ao cúmulo de compactuarem que matar um
determinado grupo de pessoas do mesmo credo pode ser natural.
Podemos utilizar esse
mesmo argumento para explicar o que está sendo falado do fenômeno “Baleia Azul”. Ao que parece, existe
um líder forte e determinado indicando uma direção a seguir. Por outro lado,
adolescentes frágeis, isolados e angustiados com questões existenciais.
Sim. Assim como Hitler, o
grupo, se existe mesmo, deve ser desmontado e seus líderes responsabilizados.
Tanto o jogo quanto o seriado puxam a identificação para si e incitam o impulso
de destruição e abrem as comportas para a pulsão de morte de maneira
irresponsável e destrutiva. Porém, também abrem uma discussão que agora é
irreversível, é preciso falar mais sobre depressão, melancolia e suicídio. É
preciso incluir o aparelho psíquico na vida das pessoas.
Além disso, a série tem
recebido críticas do mundo inteiro, pois a personagem que é suicida tem
dificuldade de contar sobre sua intenção de se matar, e quando o faz não é
escutada e tão pouco cogita-se a possibilidade de que ela esteja em sofrimento
psíquico e precise de tratamento psicanalítico ou psiquiátrico. Sim, a forma
como ela age é muito verídica e corresponde a vários casos de suicídio, mas se
a intenção da série é orientar pessoas que estejam nessa situação, o roteiro
deveria incluir esse tipo de encaminhamento como forma de sugestão e auxílio.
Em resposta a esse tipo de crítica disponibilizou-se um pequeno documentário
chamado 13 reasons why: tentando entender
os porquês, também no Netflix, onde os autores, produtores e outros
envolvidos no seriado falam sobre o tema. Neste estão presentes mensagens como
“conte para um amigo, fale com alguém anonimamente, peça ajuda”. Há inclusive uma
mensagem no rodapé da tela que diz “precisa de ajuda agora? Acesse
13 reasonswhy.info”. Nesse site o internauta coloca seu país e cidade de origem
e é encaminhado para um serviço de atendimento ao suicida, no caso do Brasil o CVV,
cuja procura cresceu muito desde que a série foi lançada.
De fato a procura por
ajuda cresceu, mas será que isso justifica os inesperados efeitos prejudiciais
que a série pode ter em pessoas que estejam numa situação mais frágil? Afinal,
o ato não só é representado de forma absolutamente explícita como há uma
ambiguidade na narrativa que pode levar à interpretação de que o suicídio é uma
ação justificável e de responsabilidade das pessoas ao redor da vítima. Além
disso, existem outras formas de quebrar
o silêncio em torno do tema sem criar conteúdos altamente lucrativos que
ignoram estudos sobre o efeito contagioso de representações do suicídio. É o
caso da iniciativa heads together,
cujo último vídeo
é um diálogo do príncipe William com Lady Gaga acerca de saúde mental onde eles
conversam sobre como é importante falar do sofrimento psíquico e como não há
vergonha nisso. O tabu é quebrado sem
sensacionalismo.
O Prof. Dr. Arnaldo
Liechtenstein da Medicina da USP tem ido a rádios e TVs discutir o assunto e
nos faz refletir sobre a relação entre pais e os filhos desta geração. O Professor
ressalta a distância que há entre eles. A rotina de trabalho muito puxada,
crianças sendo criadas por babás, jogos eletrônicos que não estimulam a relação
com os pais e o laço social entre os amigos.
As crianças
e os adolescentes precisam de acompanhamento e monitoramento constante por
parte dos adultos. Como sabemos, os adolescentes costumam usar as mesmas
roupas, o mesmo corte de cabelo e as mesmas gírias, começam a ter
comportamentos semelhantes ficando evidente que a identificação entre eles é
muito rápida, deixando-os bastante vulneráveis. Desta forma, enfatizamos a
importância do diálogo em casa e a mediação dos adultos para todos os tipos de
assuntos, principalmente quando o conteúdo se refere à noção de vida e morte. Porém,
os pais relatam a dificuldade em se aproximar de seus filhos.
O sucesso da série e a
forte discussão sobre o jogo refletem o quão presente o tema está na nossa
sociedade e, consequentemente, o quão urgente é reconhecermos que há um sujeito
em sofrimento, e que o mesmo precisa ser cuidado. Esperemos que o debate acerca
de produções cinematográficas como 13
reasons why e de debates sobre jogos como o baleia azul resultem em uma maior conscientização sobre a importância
de respeitar e acolher aqueles com quem se convive. Contrariamente ao
reconhecimento do suicídio como uma maneira válida de encaminhar sofrimentos
psíquicos, o que pode ser um efeito
involuntário de tal tematização, aponte para a necessidade de cuidado com a
saúde mental individual e coletiva, para o cuidado com a relação entre pais e
filhos e do adolescente com outros adultos de referência, e ainda, que isso
tudo leve a uma maior procura por tratamentos por parte daqueles que se encontram
em sofrimento psíquico.
Escrito por:
Ligia Ungaretti Jesus,
psicanalista
Fabiana Ratti,
psicanalista
Paula Prates, psicanalista
Paula Prates, psicanalista