Por: Fabiana Ratti, psicanalista
O Lar das crianças
peculiares de Tim
Burton (2016) revolucionou a minha casa. Minhas filhas de 7 e 9 anos amaram o
filme! Inspirado em livros de Ransom Riggs, o filme conta a estória de um lar,
coordenado por Miss Peregrine, onde ficam crianças peculiares. Cada criança tem
uma estranheza e paradoxalmente uma habilidade. Uma consegue fazer fogo com as
mãos, a outra levita no ar, uma engole abelhas, a outra consegue fazer crescer
uma raiz no mesmo minuto. Elas vivem numa fenda temporal, ou seja, ficam presas
num tempo específico da história e fogem dos etéreos, monstros que perseguem os
peculiares.
Em casa, compramos todos os livros e lemos
juntos imaginando com qual peculiaridade seria mais divertido ou mais difícil
conviver. O livro também é maravilhoso. Foge dos contos de fadas previsíveis
onde os mocinhos bonitos sempre terminam com as princesas, sem muitas vezes
terem feito algo para isso. Foge do final feliz garantido e do maniqueísmo. O
livro conta situações inusitadas, fala de personagens esféricos, tem um ótimo
vocabulário e nos convoca a usar a imaginação. Excelente leitura!
Por um lado, tanto o filme como o livro nos
provocam uma sensação de estranheza, como sendo algo muito distante de nós, por
outro lado, Riggs está falando de todos nós. Cada qual tem sua estranheza,
todos cometemos erros e temos hábitos que podem parecer bizarros aos olhos dos
outros. Assim como temos habilidades ímpares e que se nos reunimos numa
sociedade, cada qual tem a sua função, como no Lar da Sta. Peregrine.
Porém, como psicanalista, preciso lembrar aqui
também a questão da inserção da criança especial na sociedade. O livro e o
filme nos fazem pensar nas crianças que são realmente vistas como diferentes:
crianças diagnosticadas com autismo, psicose, síndrome de down, PC paralisia
cerebral, surdos, cegos, etc. Crianças que são obrigadas a viver em uma fenda
temporal pois, por suas peculiaridades, não são integradas na sociedade e
precisam viver em lares onde ficam todos confinados e convivendo apenas com outros
peculiares, porque os ´normais´ não sabem conviver com os peculiares. Todos os
peculiares têm uma solidão intrínseca a eles, uma dificuldade de convívio e
aceitação na sociedade. O que tem de bonito no filme é que ele mostra quanta capacidade
e beleza existe nessas crianças especiais.
No livro de contos de Riggs tem um que
particularmente me chamou atenção, fala sobre o menino gafanhoto. É um conto
fantástico que parece absurdo, mas me fez pensar sobre a criança autista que
tem algumas particularidades e dessa forma, causa tanto horror nos pais. No
conto, perante o horror do pai, a criança só vai se deformando e se afastando
de maneira kafkaniana. Num segundo momento, o conto narra sobre a reflexão do
pai e como é para um pai aceitar as características e as diferenças do filho,
como é ter um filho que não corresponde ao que o pai esperava. O pai também
passa por uma transformação, porém, de forma mais subjetiva. Num último
momento, através do amor e da verdadeira aceitação da peculiaridade do filho
pelo pai, o filho consegue voltar a ser ser humano e se integra na família.
Bela estória de amor e superação que todos nós,
como pais, passamos, pois precisamos nos metamorfosear se desejamos ter filhos de
carne e osso. Diversão e reflexão garantida para toda a família!